Souto Moura: “Lutei muito para que se fizessem duas pontes e parece que vai para a frente”
Consagrado arquiteto Souto Moura defende a existência de uma travessia só para o TGV entre Porto e Gaia, e outra à parte, para carros e peões
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As estações do metro do Porto de Santo António e da Galiza (Linha Rosa) são da sua autoria, assim como a do Campo Alegre (Linha Rubi). Souto Moura também está ligado ao processo da Alta Velocidade. O premiado arquiteto defende que devem existir duas pontes entre Porto e Gaia, uma só para o TGV e outra para carros e peões, divergindo do que foi inicialmente apresentado pela Infraestruturas de Portugal (IP), uma travessia com dois tabuleiros.
Como vê a obra e a expansão do metro?
Vejo bem. Foi difícil, mas tem sido muito conseguida. Sei que as pessoas gostam. Respeitam as estações, são bem tratadas e não há pichagens. Há 15 anos, houve duas coisas que alteraram a cidade: o metro e a Ryanair. Foi o que mudou mais a cidade. Até ver, o metro tem funcionado bastante bem. Tirando aquele azar do rio de Cimo de Vila.
Quanto ao TGV, defende uma ou duas pontes?
Quando há uma coisa que faz muitas coisas, há qualquer coisa que é contranatura. Repito o que me contaram: as pontes para ligar o TGV, de Gaia ao Porto, pertencem ao foro económico do Ministério das Infraestruturas [tutela a IP], mas as pedonais pertencem aos municípios, o ministério diz que nada tem a ver com isso. Houve uma altura em que as câmaras e a sua ponte pedonal [peões e carros] encostaram-se à ponte do IP. Mas aquilo era estranho, era um animal que era "trileo", nem era tigre, nem leão, tinha carros e por cima outra ponte, e também houve alguns receios quanto à segurança, porque as pontes ferroviárias, não é só aguentar o peso, têm esforços laterais. Penso que tiveram receio em experimentar isso, até houve pareceres de gabinetes estrangeiros. Nada me foi comunicado. Lutei muito para que se fizessem duas pontes, a cotas diferentes, cada um paga a sua, contas à moda do Porto, e essa situação, desde que não exceda o orçamento previsto, parece que vai para a frente. Oficialmente, não tenho resposta.
Quanto à estação do TGV em Gaia, Santo Ovídio é uma boa escolha?
Fez-me sempre impressão a estação de Gaia ficar a 60 metros de profundidade. É tudo muito bonito, mas se há um problema os passageiros estão lá em baixo. Sou defensor de pôr a estação fora dali [Santo Ovídio]. Coordeno dois arquitetos e estamos a estudar soluções para lá. Defendo que a estação de Gaia passe para depois de Santo Ovídio. Também se levanta a questão de existirem duas estações tão próximas, Campanhã (Porto) e Gaia, mas em França também há estações quase encostadas. O comboio vem de tal maneira depressa, que para travar uns quilómetros antes tem de diminuir a velocidade. Vai tão devagar para chegar ao Porto, que pode parar em Gaia. O Edgar Cardoso dizia que a estação do Porto devia ser em Gaia.
"Preços das casas são uma loucura, o Estado tem de investir"
"No início fez-se muita tolice [reabilitação da cidade], mas depois isso foi retificado"
São vários os problemas: "A construção está cara, faltam materiais e mão de obra". A juntar a tudo isto, "um projeto, hoje, demora cinco a seis anos para existir". O diagnóstico é de Souto Moura. Mas isso não desobriga o Estado de investir em habitação. "Tem de tomar a dianteira", considera o galardoado com o prémio Pritzker.
O que tem a dizer sobre a reabilitação feita ao longo dos anos?
A cidade esteve abandonada, vinham cá os estrangeiros e ficavam com os cabelos em pé. Isto era uma ruína. Depois começou-se a recuperar, os critérios quando tudo começou não eram os melhores, a rebentar tudo por dentro, a fazer T0 e T1, mas as casas do Porto são bonitas por fora e por dentro... Fez-se muita tolice. Mas depois isso foi retificado. Vai-se aprendendo.
O que tem de marcante a cidade do Porto?
O Porto é muito específico. Tem uma identidade própria. Tem caráter. O que marca o Porto em termos arquitetónicos, acho que é o granito: o vazio, que são as escarpas (Avenida da Ponte, os Guindais, as escadas de Miragaia e Massarelos), e a dicotomia, que gosto muito, entre a pedra natural e a artificial. Há aqui um jogo, com o mesmo material, em formas diferentes. E o Porto tem-se aguentado. É tão forte... fizeram-se tantas coisas erradas e ainda assim mantém esse caráter.
Há investimentos, mas as casas são muito caras. Qual é a solução?
Os preços são uma loucura. O Estado tem de investir, tomar a dianteira. Deixemo-nos de histórias. Lá fora faz-se o inventário dos terrenos livres, perguntam se querem vender, se querem entrar para uma sociedade mista, etc. Em Portugal, não se pode estar à espera que os ricos, que têm dinheiro para investir, resolvam o problema da habitação. A iniciativa tem de ser do Estado. Quando há um problema, por exemplo na pandemia, quem tomou a iniciativa? Ninguém estava à espera que os laboratórios oferecessem vacinas. O Estado é que avançou. E há mecanismos do Estado: isolados, mistos ou privados.
Curtas
Para visitar: Roma
"Roma é chamada "a cidade". Tem as épocas todas. Tem tudo: residências, parques, palácios, monumentos, espaços verdes e rio".
Para viver: Madrid
"Gosto de viver no Porto. Se me tirassem o Porto, não sei se gostava de ir para Lisboa, até sou do Benfica, nem é por essa rivalidade... Gosto muito de Madrid, é uma cidade equilibrada. Tem bons equipamentos, museus, lojas e bairros residenciais. Cheira a cidade, não cheira a metrópole, como Chicago e Nova Iorque. Nova Iorque é bonita para fazer uma excursão. Depois vimos embora".
É contra shoppings?
"Não, dão muito jeito. Mas os shoppings são uma espécie de eucalipto, secam tudo à volta. E isso faz-me impressão. Lá fora isso é controlado, quando constroem um shopping fazem-no distante para não absorver o comércio local".
Que lhe falta fazer?
"Tantas coisas. Habitação social nunca fiz. Gostava de ter essa experiência, com áreas pequenas e custos muito apertados, que obrigam a uma grande disciplina".