Sobre-exploração e alterações climáticas são os maiores fatores de risco na ria de Aveiro. Parasita galego não chegou cá.
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Aquecimento global, poluição, apanha ilegal, espécies invasoras, fungos, bactérias e um um inimigo microscópico, o pavoroso parasita "Marteillia cochillia", que quase dizimou o berbigão das rias e costas galegas. A ameaça mobilizou uma junta internacional de cientistas do mar, incluindo portugueses. Quatro anos de estudos e de manobras de resgate do molusco, agora concluídos, aproveitam também à arte mais ou menos artesanal dos marisqueiros e à aquacultura na ria de Aveiro. Se for preciso defender a espécie, há um superberbigão galego, génio da genética, resistente à doença e selecionado naturalmente. Um reforço para o ecossistema e para a economia.
A bactéria "Escherichia coli", que ainda recentemente interditou a captura de amêijoa e mexilhão entre a Barra e a Ponte da Varela, é só o mais recente episódio de contaminação nociva ao ciclo de reprodução dos bivalves. O berbigão nem constou da lista proibida, mas "também não deve ter levado muita saúde", como verificam os mariscadores e o Movimento de Amigos da Ria de Aveiro.
Aliança internacional
Este caso de contaminação por cianobactérias e biotoxinas é, afinal, apenas uma de tantas outras ameaças à vida marinha, como as verificadas além-Minho. Alarmada pelo declínio do berbigão e pelas graves consequências que podiam advir do desaparecimento de uma espécie tão importante para o equilíbrio ecológico das Rias Baixas - já agora, também, receosa de perder todo um símbolo da gastronomia local -, a Galiza lançou o alerta internacional e logo se criou uma aliança atlântica pela defesa do molusco.
Acudiram também investigadores portugueses, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, da Universidade de Aveiro, e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foram identificados quase uma centena de agentes patogénicos e sentenciado um parasita tão ou mais devastador que a poluição, as alterações climáticas ou a sobrepesca. As conclusões do estudo foram agora reveladas, em conferência remota, na qual participou o JN, a par de órgãos de comunicação social espanhóis, franceses, ingleses e irlandeses.
Desde a Conselleria do Mar da Xunta de Galicia, Rosa Fernandez, coordenadora do projeto "Cockles" - Co-operation for Restoring Cockle Shellfisheries and its Ecosystem Services in the Atlantic Area", financiado pelo programa europeu Interrreg Atlantic -, enalteceu "o desenvolvimento de estirpes resistentes e a recuperação de stocks para a valorização de ecossistemas e para o desenvolvimento das economias costeiras".
A investigação concluiu que o parasita não saiu da Galiza e que o superberbigão pode restaurar a saúde reprodutiva da espécie em duas gerações, em meia dúzia de anos. O estudo alertou, contudo, para as ameaças das alterações climáticas e da salinização das águas, o que, no caso português, pode também representar um risco para o habitat de zonas lagunares e para a produção de arroz, como observou a investigadora Paula Chainho, especialista em biodiversidade e ecossistemas.
Curiosidades
Bom proveito!
Como qualquer alimento na ausência de segurança, o berbigão pode ser vetor de biotoxinas e patogénicos. Mas o estudo verifica que os parasitas fazem parte da biodiversidade e que as patologias encontradas no berbigão-vulgar são inócuas ao ser humano e ainda mais após confeção culinária pelo calor. Portanto, bom proveito!
Pitéu dos pobres
Noutros tempos, o berbigão era visto como petisco de pobre, na dieta dos pescadores. No preconceito morava o logro: as conchinhas são fonte abundante de vitaminas, especialmente B3 e A; e muito ricas em minerais - potássio, fósforo, ferro, zinco... - e ácido fólico. Hoje, sobretudo na Galiza, o "berberecho" é uma instituição culinária.