Projeto em freguesia urbana promove encontro de diferentes gerações e comunidades. Há pessoas em lista de espera.
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Na freguesia de S. Vicente, em Braga, um terreno com cerca de 3000 metros quadrados, colado ao bairro social das Andorinhas, veio mudar a vida de dezenas de famílias. A criação de uma horta urbana, com 70 talhões, trouxe ânimo a quem se sentia sozinho, como Maria dos Anjos, promoveu a socialização de pessoas com deficiência, como Jorge Oliveira, integrou famílias da comunidade cigana, como Marco Monteiro, e até criou proximidade entre moradores do bairro com quem vive noutras pontas da freguesia, como Delfim Ribeiro.
Foi há dois anos, em plena pandemia, que uma candidatura de 25 mil euros ao Fundo Ambiental permitiu criar um projeto que o presidente da Junta de S. Vicente, Daniel Pinto, chama de "inclusivo". É que ali, no meio do terreno onde, nesta altura do ano, se podem encontrar couves, especiarias ou até flores plantadas, cruzam-se todo o tipo de pessoas, "desde famílias de etnia cigana, a idosos ou utentes das duas residências autónomas da Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas (CERCI) de Braga".
"Há um estereótipo que se cria em relação a determinada comunidade e, aqui, isso é totalmente desmistificado. Este equipamento é gerador de encontro entre comunidades e diferentes culturas, para além da dimensão do cultivo de bens alimentares", frisa Daniel, ladeado pelos beneficiários que diariamente cuidam dos talhões.
Ocupação para aposentados
É o caso de Delfim Ribeiro que, mesmo não morando nas imediações do bairro, confessa que, por vezes, pega no carro mais do que uma vez por dia para ir à horta. "A minha vida é tomar conta dos netos. Nas horas vagas, é aqui que gosto de me entreter", admite o septuagenário, enquanto prepara a terra para, em breve, semear "tomates, pepinos e outras coisas".
Jorge Oliveira, da CERCI Braga, faz o mesmo. "Agora é altura de limpar as ervas", reforça o beneficiário de 33 anos, orgulhoso por ter ensinado aos colegas de casa algumas técnicas de agricultura. "Eu já sabia cultivar porque aprendi com a minha avó. Eles nem sabiam abrir regos", afirma o jovem, referindo-se a outros utentes que vivem "nas residências autónomas" que a cooperativa de apoio a pessoas com deficiência tem em S. Vicente.
"São cinco utentes em cada casa e temos direito a dois talhões. Normalmente, eles vêm em grupo e, ao nível de socialização com os vizinhos, é muito importante", atesta a diretora técnica das Residências de Autonomização e Inclusão, Clara Rodrigues.
Para os moradores das Andorinhas, conhecer quem vem de fora também é importante. "Fiz aqui amigos que não são do bairro. É tudo boa gente", afirma Marco Rodrigues, sublinhando que a comunidade cigana está cada vez mais interessada na agricultura. "Sabem muito melhor estes produtos, porque são todos biológicos. E porque sou eu a plantá-los", justifica o morador, com uma gargalhada.
Maria dos Anjos também sorri. É que, além de "uma ajuda na carteira", ter um talhão trouxe-lhe "ânimo". "A médica dizia para eu me distrair, mas eu não tinha com o quê e isto veio ajudar-me", confidencia ao JN.
Segundo Daniel Pinto, o sucesso da horta é tão grande que atualmente há cerca de 30 pessoas em lista de espera. O projeto, apoiado pelo município, inclui sessões de esclarecimento para os beneficiários e, no futuro, prevê um abrigo para partilha de ferramentas.