Emídio Gomes foi eleito há um ano reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Tomou posse há 10 meses e já alcançou um grande objetivo da instituição sediada em Vila Real: um centro académico clínico. Para já, vai dedicar-se à investigação, mas em pouco tempo passará também a dar formação na área da Medicina. Numa conjuntura difícil, os próximos anos vão ser muito complexos e desafiantes para tornar a universidade mais atrativa a jovens de outras partes do país e, até, do estrangeiro.
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O que vai ser o Centro Académico Clínico de Trás-os-Montes e Alto Douro?
Vai chamar-se "Professor Nuno Grande" e é uma parceria entre a UTAD, o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e os agrupamentos de centros de saúde da região. Vamos passar a desenvolver investigação na área da Saúde, numa lógica multidimensional "One Health", uma só saúde, entre a saúde pública animal e a saúde pública humana, a ligação às populações e ao envelhecimento. É a primeira pedra no nosso objetivo mais alargado de, além de investigação, virmos a ter formação.
Quando prevê que possa começar a formação?
Em 2023 esperamos ter autorização para iniciar a formação em Medicina.
Quem vai ser o diretor?
É alguém muito conhecido. Ainda não quero revelar o nome por respeito à pessoa em causa, mas já foi dada autorização. É um dos nossos melhores na organização da investigação e do ensino ligado à saúde. Uma das pessoas mais conceituadas em Portugal e com dimensão internacional. Virá em breve para liderar o centro académico clínico. É uma das pessoas que, em conjunto com o professor canadiano Robert Armstrong, vai liderar o processo da nossa proposta para a formação na área médica.
Que importância vai ter para a UTAD o ensino da Medicina?
Vai ser decisivo. Hoje a UTAD está muito bem, mas tem desafios muito complexos para os próximos anos. Desde logo devido à demografia na região. Esta nossa ligação ao ensino na área da saúde, seja na investigação ou na formação, será uma âncora muito forte para o desenvolvimento da nossa universidade. Atrai muita formação especializada, melhores profissionais para a região e tem um efeito de difusão em algumas áreas adjacentes muito grande. Será um pilar muito forte no futuro, mas não será o único. Temos de reforçar outros.
Por exemplo?
Para a UTAD se manter no patamar do número de alunos que tem hoje, à volta de oito mil, o que é muito importante para uma região como esta, dentro de seis anos quase 90% terão de vir de fora. Há um conjunto de ações que vamos ter de fazer: melhorar condições de acolhimento, aumentar o número de camas em articulação com a cidade de Vila Real e com as da área envolvente e criar aqui um verdadeiro espaço universitário em torno da UTAD.
O que foi feito já nesse sentido?
Há 10 meses a Associação Académica da UTAD tinha das piores instalações do país no ensino superior. Hoje tem as melhores. É uma grande mudança. Os alunos dos próximos anos têm de desejar vir estudar para Vila Real por um conjunto de múltiplas condições.
Que tipo de condições?
Alojamento, tipologia de ensino, oferta educativa, vivência universitária e no campus, e condições para os estudantes. Temos de nos transformar num destino universitário apetecível. O tempo em que apareciam cá só porque sim terminou e terminou de vez. Na década de 1990 crescíamos naturalmente porque a procura era muito superior à oferta. Vamos ter de lutar muito para manter uma universidade atrativa e pujante nos próximos anos, porque isso não está garantido se não trabalharmos bastante. Também é bom que a região envolvente da universidade, que não é só Vila Real, perceba isso. Que vamos ter de ser todos muito acolhedores e trabalharmos todos em conjunto para uma universidade melhor e mais forte no futuro.
A UTAD já teve polos em Chaves e Miranda do Douro, depois concentrou tudo em Vila Real. Estará novamente na hora de sair do seu campus?
Vamos ter de considerar essa hipótese. Não sei se temos capacidade de fazer polos formais, mas a abertura de ações formativas fora do concelho de Vila Real está em cima da mesa e vamos concretizá-la. Todavia, temos de ser cautelosos quantos aos moldes em que o vamos fazer, porque criar despesa fixa com receita imprevisível é sempre um passo que exige prudência. Contudo, a UTAD vai ter de ter maior presença no território. Uma universidade só de Vila Real nunca teria futuro. Tem de ser mesmo de Trás-os-Montes e Alto Douro e até de mais além. A região do Tâmega e Sousa, graças ao Túnel do Marão, está hoje tão distante como está Peso da Régua ou Vila Pouca de Aguiar.
E estudantes internacionais?
No passado, a UTAD teve um período com bastantes estudantes brasileiros. As coisas não correram bem. Não vou falar sobre isso. Até porque é um processo que ainda não está encerrado. Mas temos de, rapidamente, estabelecer algumas prioridades em mercados de alunos estrangeiros. Estamos numa fase de definição de estratégias e objetivos. No entanto, estou convencido que nos próximos três ou quatro anos a UTAD crescerá muito em número de estudantes internacionais. Mais uma vez, as condições de acolhimento e alojamento serão muito importantes.
Por falar em acolhimento, a UTAD prevê aumentar o número de camas?
Faz parte da estratégia. Melhoria e aumento. Vamos intervir nas residências que já existem (Codeçais e Além-Rio), aumentando a capacidade e melhorando as condições existentes. Vamos transformar o antigo CIFOP numa residência, criar uma nova, embora mais pequena, na Quinta de Prados e vamos recuperar duas antigas casas na Quinta de Lurdes para residências. Estes cinco projetos estão aprovados para passar à fase dois no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. A primeira estimativa aponta para um investimento na ordem dos 30 milhões de euros, mas provavelmente haverá cortes. Estamos a algumas semanas ou poucos meses de saber qual é a disponibilidade financeira que nos é atribuída. Aí ajustaremos os projetos e veremos se podemos ter mais mil camas, ou mais 950. Mas vamos maximizar o número que vamos oferecer a estudantes. Temos entre 500 a 600 e se triplicarmos a quantidade vai mexer com o mercado.
O que vai ser o Centro de Transferência de Tecnologia em Enologia, Enoturismo e Gastronomia?
Resulta da recuperação de um quarteirão dentro do campus que estava muito degradado e cheio de entulho. Limpou-se e agora está com muito bom aspeto. Com as verbas disponíveis num programa com o Turismo de Portugal fizemos já uma cozinha experimental, uma "Kitchen Lab", que serve de base às nossas Ciências da Nutrição, mas também vai apoiar toda a gastronomia externa à UTAD. Não vamos fazer um restaurante nem desenvolver gastronomia própria. Este espaço serve para formar os nossos alunos e está disponível para empresas que queriam usar este laboratório.
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E no resto do espaço?
Vamos remodelar por completo a nossa adega, que tem quase 40 anos e hoje não tem condições para ser uma referência formativa na enologia experimental, tornando-a moderna e atrativa. Destina-se também a quintas e produtores de vinho que possam aqui fazer experiências. Também vamos ter uma sala de análise sensorial para vinhos de qualquer proveniência e para alimentos produzidos na nossa Kitchen Lab. E ainda uma sala de provas com cerca de 400 metros quadrados, com possibilidades de cortes de cheiros e de cores, e com ambientes imersivos. Será a melhor sala de análise sensorial que existe no país e uma das melhores da Europa. Já tempos apoio para o fazer e também será distintivo para a nossa universidade.
A Kitchen Lab já tem interessados?
Já temos quatro ou cinco pedidos de utilização do espaço por parte de empresas externas à UTAD, para além das aulas. Não vou dizer nomes, mas um veio de um restaurante muito conhecido que quer desenvolver lá a sua carta. Uma outra empresa de vinhos quer fazer apresentação do seu portefólio a clientes. Acredito que quando todo o quarteirão estiver pronto, no próximo ano, aí sim, as várias dimensões do equipamento vão transformá-lo num espaço único.
Recentemente foi criado, em parceria com a Universidade do Porto, um curso Engenharia e Biotecnologia Florestal. Como está a correr?
Está a arrancar. Temos uma grande expectativa para o próximo ano letivo. Não é fácil, porque as exigências para os cursos de engenharia são o par Física e Matemática e o número de estudantes do secundário com este par é reduzido. E a atratividade da área florestal está em contraciclo com a procura do mercado. Não há profissionais, o emprego é 130% ou 140% e Portugal está a recrutar profissionais fora do país porque não os tem, porque a procura dos nossos jovens por esta formação e baixa.
A explicação é o par Física e Matemática?
É uma das explicações. A outra é que a área da floresta ainda tem uma carga muito negativa devido aos fogos.
Havendo poucos cursos superiores com emprego garantido não é estranho que Engenharia Florestal não tenha procura?
É, mas eu não posso bater nos jovens e obrigá-los a estudar Ciências Florestais. O curso tem muito emprego, muita procura de profissionais, mas não se tem revelado, nos últimos anos, atrativo para os jovens. Temos de os compreender. Não podemos achar que eles estão errados. Haverá razões, mas não consigo descortiná-las.
A Matemática e a Física são indissociáveis?
São uma exigência formal, mas os jovens que têm esse par mostram-se mais atraídos pela Engenharia Informática, Eletrotecnia, Engenharia e Gestão Industrial, entre outros. Lá terão as suas razões.
No âmbito da formação. Está a prever mais cursos para o futuro na UTAD ?
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Temos cursos a mais. Temos de olhar de uma forma global e estratégica para a nossa oferta formativa e não podemos continuar a multiplicá-la. Temos muitas avaliações que nos chamam a atenção para o défice de recursos humanos especializados docentes em algumas áreas. Porque à medida que foi tendo dificuldades, a UTAD foi multiplicando formações. E isso não foi o caminho mais correto. Aumentar cursos de qualquer maneira não pode ser, nem vai ser.
Deixar só aqueles com mais saídas profissionais?
O problema é que os recursos humanos docentes são os que temos. Há variáveis que a Reitoria não consegue controlar. De um ponto de vista estratégico está em cima da mesa a avaliação global da oferta formativa. Não que haja nada contra esta ou aquela formação, mas porque o futuro da universidade assim o exige.
A valorização das carreiras também está em cima da mesa?
O corpo docente universitário tem uma idade elevada em todos os sítios. Durante muitos anos, sobretudo por razões económicas e financeiras do país, as carreiras estiveram paradas e há, neste momento, por autorização do Governo, uma valorização interna dessas carreiras ao nível dos docentes e também estamos a ver o que se pode fazer em relação aos não docentes. Tantos anos sem progressão cria muita tensão. O número de conflitos jurídicos e de natureza administrativa é elevado e tudo isto cria um clima que não é o mais positivo dentro das universidades. Não é só na UTAD. Mas estamos, com paciência, a melhorar isso e vamos renovando à medida das disponibilidades. Não é com fórmulas mágicas. Poderia contratar mais não sei quantos professores auxiliares, mas depois, pergunta-se, como é que se lhes paga? Tem de haver um equilíbrio entre a saída de professores para aposentação e a entrada de novos, que são o futuro da UTAD.
Em 2021, a UTAD apresentou a primeira Cátedra José Saramago. O que se tem feito?
Sobretudo produção de investigação no domínio José Saramago em parceria com a Livraria Lello e o professor Carlos Nogueira que é o responsável pela Cátedra. Ao longo dos próximos meses teremos um conjunto de eventos de produção científica. É, sobretudo, uma nova central de conhecimento no âmbito da literatura e da obra do Prémio Nobel. Ao longo dos próximos anos teremos um número de investigadores e de alunos de mestrado e doutoramento cada vez maior a trabalhar neste âmbito.
Que personalidades vão ser este ano agraciadas com o diploma Douro Honoris Causa pela UTAD?
No dia 11 de maio vai ser a pintora Graça Morais. Em data a combinar, o selecionador nacional de futsal, Jorge Braz. São ambos naturais de Trás-os-Montes.
Para tornar o campus cada vez mais verde, a UTAD disponibilizou recentemente 75 bicicletas elétricas no âmbito do projeto UBike. Que adesão tem tido?
A adesão tem sido boa. Mas a nossa missão não é gerir parques de bicicletas, teremos de encontrar uma solução com o Município de Vila Real, mas foi um estímulo, um sinal. A redução do número de carros no nosso campus, a construção de parques na envolvente, vias cicláveis e vias pedonais, são um estímulo para práticas mais saudáveis e um contributo simbólico do ecocampus para um planeta mais saudável.
As pessoas que aqui estudam e trabalham têm aceitado bem a nova realidade?
Que remédio têm! A alguns tem custado. Há pessoas que continuam a achar que deviam levar o carro para dentro do gabinete. Mas nós somos pacientes e persistentes. Lentamente vai-se resolvendo.
Que expectativas tem em relação à nova ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato?
Tenho uma expectativa positiva. Mas é justo agradecer e elogiar o desempenho do professor Manuel Heitor enquanto anterior titular do cargo. Foi um excelente ministro, que teve sempre uma postura isenta para com o conjunto das universidades portuguesas e que tinha um projeto. A nova ministra é uma pessoa de bem, credível, conhecida por todos e que, sobretudo na área da Ciência, tem provas dadas. Conhece bem o sistema científico português. O secretário de Estado do Ensino Superior (Pedro Teixeira) é alguém que conhece muito bem esta área em Portugal. Logo a expectativa que recai sobre a nova equipa é muito alta, o que é positivo.