“Vi muita gente morrer aqui”. Póvoa recria naufrágio de 1892 onde morreram 105 pescadores
Póvoa de Varzim recriou naufrágio para assinalar os 133 da tragédia de 27 de fevereiro de 1892, que matou 105 "heróis do mar", e emocionou o Bairro Sul, esta quinta-feira à noite.
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Os olhos de Deolinda Abreu enchem-se de água ao lembrar os muitos que viu ali morrer, noutros anos, na antiga praia da Favita, diante do desespero de mães, esposas e filhos que, impotentes, no areal, assistiam a tudo. Alexandra Teixeira é bem mais nova, mas, ainda catraia, também ela perdeu um amigo no mar. A dor de uma comunidade que vive da pesca, mas, volta e meia, vê o mar levar mais um, foi esta quinta-feira à noite recriada, na antiga praia, em frente ao farol da Igreja da Lapa. Lembraram-se dos muitos que partiram. Porque ali, a memória é “coisa séria” e foi esse “mar padrasto” que ora dá o pão, ora tira a vida, que forjou a Póvoa de Varzim.
Filho da Lina “Gorda” e do Quim “Farrapa”, António partiu na lancha. Cruz de Cristo ao peito, o retrato da mãe no relicário junto ao coração. À entrada da barra, a lancha virou. António – que podia ser Manuel, Francisco, Joaquim e tantos outros nomes – caiu ao mar. Na areia, de joelhos, a mãe – que toda a tarde rezara, na vizinha Igreja da Lapa, pelo regresso do filho “são e salvo” - desfaz-se em lágrimas ao ver inerte o corpo do pobre marinheiro que, desde garoto, vivia para o mar.