Sem janelas, o imóvel de apoio ao Edifício Jardim (prédio Coutinho) em Viana do Castelo atrai olhares curiosos e faz parar quem passa. Os trabalhos de desmantelamento, para já no interior do polémico prédio de 13 andares, decorrem a bom ritmo, não deixando dúvidas de que, afinal, sempre se concretiza o destino a que está fadado desde o ano 2000.
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Das 105 frações, estão a ser retirados todo o tipo de materiais: vidros, madeiras, plástico (tubagens), alumínios, cobre, alcatifas, pavimentos em vinil, gessos, telas asfálticas, portas e janelas, armários, louças sanitárias, bancadas e pias de cozinha, torneiras, maçanetas e papel de parede.
Ficará apenas o esqueleto de betão, que será "triturado" a partir de novembro, com recurso a uma máquina demolidora. Os resíduos, tanto o betão como os materiais do recheio que agora estão a ser retirados e separados, serão reutilizados noutras obras ou reciclados. O prédio Coutinho renascerá assim, aos bocados, em outros edifícios e infraestruturas espalhados pelo país.
"A maior parte dos resíduos inertes, tudo o que é material britado ficará no nosso estaleiro para utilização nas nossas obras e comercialização. É crucial para colmatar a falta de materiais de pedreira, cujos valores duplicaram", afirma Cláudio Costa, CEO da empresa Baltor, que assumiu a erradicação do "Coutinho" pelo método de desconstrução, pelo valor de 1,2 milhões de euros. Resíduos como ferro, alumínios e madeiras serão aproveitados em outras construções, o mesmo acontecendo a peças como portas de madeira maciça, por exemplo. "Ainda estão a ser analisados outros artigos. Tudo o que está no edifício tem uma alta taxa de reciclagem e reutilização", acrescenta o responsável da empresa.
Aproveitamento quase total
Um estudo do Portal da Construção Sustentável, realizado em 2019, com a colaboração da Quercus, apresenta um levantamento exaustivo (ler caixa com números) dos materiais existentes naquele imóvel e conclui que a taxa de reaproveitamento dos resíduos resultantes da desconstrução é quase total.
"A conclusão mais gritante é, em primeiro lugar, que nunca imaginei que o prédio estivesse em tão boas condições. Mais de 85% daqueles materiais podem ser reutilizados ou valorizados para outros fins", declarou a arquiteta Aline Guerreiro, que conduziu aquele estudo, considerando que o prédio Coutinho "pode ser o ponto de partida para que esses materiais comecem a ser introduzidos num mercado de segunda mão, embora alguns, como caixilharias, seja necessário comprovar que estão aptos para um segundo uso.
"O Município podia arranjar um armazém onde catalogasse os materiais e os guardasse. E que deixasse as pessoas irem buscá-los, para os utilizar nas suas obras ou em obras sociais. Era uma forma de dar uma nova vida do material que sair do Edifício Jardim", sugeriu.
Carlos Reinato, de 21 anos, trabalhador da construção civil, residente em Braga, conta que levou para casa um "pequeno buda" que encontrou no prédio Coutinho, enquanto trabalhava no interior do imóvel ao lado do pai, Willians.
Deixados para trás
Garrafas de vinho, gira-discos e discos de vinil ou uma cama ainda feita são outros achados que destaca. Para o jovem, que veio do Brasil com a família há cinco anos, a obra que executa ao contrário do habitual, desconstruindo em vez de construir, tem sido uma aventura.
"Fui pesquisar [na Internet] tudo sobre o prédio. Descobri que teve muita polémica. Para nós, é bom que deitem abaixo, porque ganhamos dinheiro com isso", diz Carlos.
Já o pai, comenta: "Fico em cima do muro [acerca da demolição], mas é um trabalho muito gostoso. É a primeira vez que fazemos desconstrução. Vamos ter história para contar aos netos".
O "Jornal de Notícias" encontrou, a passar em frente ao prédio, o coronel Costa Santos, ex-combatente e antigo comandante da PSP de Viana, que viveu uma vida ali, no quinto andar, e foi dos últimos moradores a resistir à saída.
À pergunta sobre se lhe custa ver o prédio Coutinho ser demolido, respondeu com um gesto de quem atira o assunto para trás das costas. "Foram 50 anos", disse, continuando o seu percurso devagar e despreocupado.
Pormenores
Obra em 1973 - Em julho de 1972, a Câmara de Viana do Castelo vendeu em hasta pública o terreno, de 975m2, do então mercado municipal. Fernando Coutinho, ex-emigrante no Zaire (atual República Democrática do Congo), avançou com o negócio e construiu no local, a partir de 1973, o prédio com uma frente de 13 andares e um edifício de apoio, num total de 105 frações, habitado por 300 pessoas.
"Morte" anunciada - A demolição efetiva do prédio Coutinho anunciada em junho de 2000, no âmbito do programa Polis, avançou em agosto de 2021, com os primeiros trabalhos preliminares. Já tinha havido uma primeira tentativa em janeiro de 1975.
Números
559 portas em madeira vão ser retiradas do interior. Há ainda 166 portas em madeira maciça de entrada nas casas e 837 portas de armários embutidos (303).
181 sanitas em cerâmica vão ser retiradas das casas de banho, assim como 180 lavatórios, 179 bidés, 94 banheiras e 74 bases de duche em cerâmica.
359 torneiras de lavatório e 166 (misturadoras) com chuveiro retiradas das casas de banho e 89 torneiras (misturadoras) extraídas de cozinhas. E ainda 166 puxadores metálicos.
89 portas de elevador em alumínio e vidro. Além de muitos outras portas: 323 em vidro e madeira, 24 em alumínio e plástico, 109 em alumínio e vidro. E todas as de entrada no prédio.
5,49 metros cúbicos de betão produzido e com 100% de possibilidade de reciclagem. Além de 17,1 m3 de misturas de betão, tijolos, ladrilhos, telhas e outros materiais cerâmicos.