Vila Real quer inscrever procissão do Bom Jesus do Calvário no Inventário Nacional
A Câmara Municipal de Vila Real vai avançar, até ao final deste ano, com uma candidatura para a inscrição da Procissão do Bom Jesus do Calvário no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. A intenção foi anunciada, esta quarta-feira, em conferência de imprensa.
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Esta procissão, que se realiza no segundo fim de semana de julho - este ano calha no dia 14 - é considerada pela vereadora da Cultura, Mara Minhava, como "uma das maiores manifestações de fé do concelho", que "já extravasa as suas fronteiras".
Não é que a tradição que começou em meados do século XIX esteja em risco de se perder, mas a autarca considera que merece "um trabalho de investigação". O objetivo é "valorizar e reunir muita informação que anda espalhada por vários documentos". Sendo um "património muito rico", tem de ser "classificado para o deixar mais seguro para as gerações vindouras".
A coordenação da investigação está a cargo de Vítor Nogueira, que salienta que existem muitas manifestações religiosas cujas origem se perderam no tempo. No caso da Procissão do Bom Jesus do Calvário, sabe-se que remonta ao ano de 1854, quando a região vinhateira do Douro vivia "o primeiro embate causado pelo aparecimento do oídio", uma doença originada por um fungo e que ameaça a vinha. "Nesse ano organizou-se a procissão para pedir ajuda divina contra aquela calamidade", lembra o investigador.
Curiosamente, só em 1884, 30 anos depois, voltou a organizar-se a procissão. Foi retomada quando a Região Demarcada do Douro enfrentou a filoxera, uma praga terrível que devastou a vinha.
Daí que Vítor Nogueira reconheça que a procissão, que é uma das maiores manifestações de fé dos vila-realenses, tenha também uma "ligação muito próxima aos problemas do Douro", numa época em que Vila Real, ainda vila, se "constituía como a cabeça política e administrativa de uma região em sofrimento". Era uma procissão de penitência, com muitos fiéis descalços, tradição que ainda hoje se mantém.
O trabalho de investigação tem sido feito em colaboração com a Ordem Franciscana. O Frei Paulo, desta ordem em Vila Real, destaca ainda que a Procissão do Bom Jesus do Calvário nasceu "em contexto pandémico do século XIX", mas "foi-se refazendo ao longo dos tempos como uma reposta de proximidade aos problemas dos diferentes tempos".
Frei Paulo dá o exemplo dos soldados que partiram para a I Guerra Mundial ou para guerra colonial, cuja devoção ainda está patente. "Alguns dos antigos soldados são os que querem levar o andor ou participar na procissão". Todavia, muita da devoção atual tem a ver "com o fim da vida". Segundo o religioso, "muitas querem passar pela Igreja do Bom Jesus do Calvário antes de morrer". "É uma fé muito forte e incalculável", completa, por sua vez, Manuela Varela, ministra da Ordem Franciscana.
O presidente da Junta de Freguesia de Vila Real, Francisco Rocha, louva o trabalho feito pela Câmara Municipal para a valorização da tradição para que ela "tenha futuro". Até porque a procissão "não deixa ninguém indiferente".
Rui Santos, presidente do Município de Vila Real, refere que a valorização do património imaterial do concelho obedece ao que está delineado no Plano Estratégico Municipal de Cultura Vila Real 2030.
Lembrando que o Douro volta a estar em crise, com oferta de vinho a mais e procura a menos, e com as dificuldades inerentes a quem tira o sustento da vinha, realça que "o futuro é incerto". A devoção que outrora serviu para pedir ajuda divina contra doenças e pragas da vinha, pode servir hoje para pedir proteção "contra as dificuldades que a região vive".
Em novembro de 2023, a Câmara Municipal de Vila Real candidatou o andor gigante de Nossa Senhora da Pena ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. Ainda está em avaliação. Em 2025 será candidatado o culto profano/religioso da Santa Luzia e do São Brás, ou seja, o pito e a gancha.