Ligação da A25 à A62 desvia trânsito do centro da vila fronteiriça. Comércio, "ferido" com a abolição das fronteiras em 1992, teme o pior.
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O troço de 3,5 quilómetros da A25 que o Governo português se comprometeu a fazer para completar a rede transeuropeia desde Aveiro até ao nó da A62 em Espanha está longe de agradar às populações dos dois lados da antiga linha de fronteira, Vilar Formoso e Fuentes de Oñoro.
Depois de vários anos a discutir traçados, prevaleceu a decisão de construir uma ligação rodoviária que passa ao lado das duas povoações raianas, desviando o trânsito da antiga alfândega, cruzada anualmente por milhares de emigrantes e turistas. Já no ano passado, a população de Vilar Formoso recebeu o primeiro-ministro vestida de preto, em sinal de luto, e, o sentimento mantém-se. Especialmente agora que, depois de várias promessas e atrasos (ver caixa) começam a chegar as máquinas para o arranque da empreitada de 13,2 milhões de euros.
"Com Fuentes de Oñoro, temos aqui um núcleo populacional de 3000 pessoas que já perdeu com a abolição das fronteiras e que leva agora mais uma machadada que pode ser definitiva", disse receoso o presidente da Freguesia de Vilar Formoso, Manuel Gomes. " Se tivermos em conta que a obra fica concluída dentro de ano e meio, já não falta muito para que o trânsito seja desviado, mas, havendo vontade política, há tempo suficiente para travar o prejuízo que se adivinha", sublinhou. "Para manter a paragem de camionistas é preciso dar-lhes condições, porque é vergonhoso que um parque na gestão do estado não tenha casas de banho ou iluminação", deu como exemplo o autarca.
Preocupação dos dois lados
Assim que em 1992 foram abolidas as fronteiras, Vilar Formoso ficou uma sombra do que era. Os despachantes oficiais e os cambistas encerraram os escritórios e a vila esmoreceu. Que o diga Alfredo Fernandes, de 77 anos, que, mais de 20 anos depois, foi forçado a encerrar uma residencial de 80 quartos, reduzindo a atividade a uma loja têxtil. " Tive que despedir os funcionários porque foram quatro anos seguidos de prejuízo e, sinceramente, já caímos tanto que não vejo futuro para esta terra", disse de cara no chão. "A nova ligação da A25 só poderá ter alguma vantagem se for construído um acesso decente à vila", atirou.
Ainda menos otimista está o gerente dos antigos supermercados Gildo, que, sediados em Fuentes de Onõro, podem ver em breve a queda do império. Com a nova autoestrada, o trânsito deixa de circular junto ao estabelecimento comercial e o movimento será outro. " Os emigrantes deixam de parar e isso vai afetar a nossa casa e toda a raia", afiançou Filipe Estevez. Já do lado português, Ida Costa, proprietária de um quiosque junto à estação dos caminho-de-ferro dá o benefício da dúvida. "Se a nova ligação será boa ou má ainda não sabemos, mas temos que fazer alguma coisa para segurar as pessoas", refletiu em voz alta.
O JN apurou que as obras no lado espanhol vão ser concluídas já em setembro e que o governo de Pedro Sanchez pretende abrir logo parte do troço, mantendo o restante inacessível até que Portugal termine a via que lhe compete construir.
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Obra consignada duas vezes
Em maio de 2018, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Marques, anunciou na Guarda que a ligação da A25 à A62 começaria no verão seguinte. A obra não arrancou nessa data e nem mesmo depois da IP assinar o contrato da empreitada numa cerimónia que decorreu em novembro em Vilar Formoso, na véspera da cimeira luso-espanhola. No último 20 de maio, em plena campanha eleitoral, a IP voltou a referir que tinha sido assinado o auto de consignação da obra, que ainda não se vê.
3,5 quilómetros terá o troço da A25 que o Governo português se compromete a construir até ao final do próximo ano. A obra fará a ligação entre a autoestrada, que liga Aveiro a Vilar Formoso, e a A62 da Autovia de Castilla (Espanha).