Empresa fala em "recuperação" do bairro para exigir saída dos residentes, muitos dos quais reformados.
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As 38 famílias do Bairro da Vista Alegre vão ter de abandonar as casas. Primeiras 20 cartas já foram enviadas e dão apenas 90 dias para saírem. Moradores sentem-se revoltados e não querem abandonar as casas onde moraram a vida toda.
"V. Ex.as ocupam uma moradia do Bairro Social da Vista Alegre, em Ílhavo, por mera tolerância da sua legítima proprietária, a V.A. Grupo-Vista Alegre Participações, S.A. Na verdade, V. Ex.as não dispõem de qualquer título que lhes permitam o uso e fruição da referida moradia". Este é um excerto das cartas que perto de 20 moradores do Bairro da Vista Alegre receberam e onde lhes é comunicado que "por razões comerciais de reconversão e recuperação do parque imobiliário não podem manter as moradias".
São ainda avisados de que têm 90 dias para desocupar as habitações, sob pena da empresa avançar para "a via judicial" caso se recusem a abandonar as casas onde moraram toda a vida. Até agora, duas dezenas de famílias já foram contactadas, mas todos irão ter de abandonar as casas. A Câmara de Ílhavo, que já reuniu com a Administração, garante que as situações que exijam acção social irão ser acauteladas (ver caixa).
Resistência à vista
Foi o teor das palavras e a "frieza como foram escritas" que mais chocou os moradores. Actualmente são perto de 40 as famílias que ocupam as casas que "um dia foram dadas aos funcionários". "Não podem vir agora e obrigar-nos a sair. Nós sempre pagámos para estar aqui. Cada um de nós descontava um dia de salário por mês para pagar a renda, por isso não podem ter esta desconsideração e esta falta de respeito", lamentam sob anonimato.
"Nasci aqui há 62 anos e a minha família já toda aqui morava. O meu bisavô, o meu avô, o meu pai e eu demos a vida por esta empresa e agora chegam aqui e querem simplesmente despejar-nos sem se preocuparem para onde iremos ou se teremos um tecto para ficar", lamenta este morador que não quis identificar-se com receio de "complicar mais o processo".
Garante que vai aguardar por um contacto da empresa "para saber ao certo o que pretendem fazer", mas caso não recuem na situação de despejo "levaremos isto até às últimas consequências", pois considera que "por causa do dinheiro e dos negócios, estão a passar por cima das pessoas".
Se quem recebeu já as cartas diz viver, agora, num ambiente de revolta, os que (ainda) não receberam garantem que o receio, o medo e a apreensão são os sentimentos dominantes. "Há medo de abrir a caixa do correio e ver que se tem lá uma carta da empresa", reconhece Carlos Alegria, que trabalhou durante 32 anos na Fábrica da Vista Alegre. Também Mário Gomes receia o futuro. "Ainda não recebi nada, mas se receber, prefiro chegar a um acordo e pagar-lhes uma renda do que sair".
Empresa acautela carências
Os deputados do PS na Assembleia Municipal (AM) consideram que a situação é "grave e injusta". "Os compromissos devem ser cumpridos", diz o PS, que propõe a constituição de um grupo com representantes de todos os partidos com assento na AM para reunir com a Administração da Fábrica e "encontrar uma saída mais justa".
Fonte oficial da empresa disse, ontem, ao JN, que a Vista Alegre pretende a saída das famílias para "recuperar o património degradado", mas promete "acautelar as situações de carência social". Quanto ao futuro, a mesma fonte diz que a empresa analisará caso a caso de acordo com os projectos para zona, que não quis especificar.
