"Também sou cigano": Vicente Gil dá rosto a uma geração que recusa estereótipos

Natural do Porto, Vicente Gil dá vida a Afonso na novela líder de audiências "Vitória", da SIC
Foto: Instagram de Vicente Gil
Ator da novela "Vitória", da SIC, ainda enfrenta olhares de espanto quando assume a sua origem cigana. Vicente Gil cresceu no Porto e encontrou no teatro a força para contrariar preconceitos que continuam vivos, incentivado pela mãe, a atriz Maria.
Vicente Gil habituou-se a lidar com rótulos antes mesmo de sonhar com câmaras e estúdios. Aos 26 anos, começa a ser reconhecido onde quer que vá graças ao sucesso de "Vitória", que tem conquistado os primeiros lugares nas audiências da SIC.
Ainda assim, quando revela as origens, o espanto instala-se. "Quando digo às pessoas que sou cigano ainda ficam surpreendidas, mas um cigano também pode ser ator, licenciado e lavadinho", sublinha, com um sorriso que esconde o peso de uma vida a contrariar rótulos. O que para ele é identidade e orgulho, para muitos ainda colide com preconceitos antigos.
Cresceu no Porto, num lar onde a cultura era viva. A mãe, Maria Gil, atriz, levou-o desde cedo a teatros, concertos e espetáculos - levava-o também a acreditar que podia ocupar o palco e conquistar público. Mais tarde, as suas primeiras experiências de teatro comunitário em bairros periféricos confirmaram-lhe uma certeza: queria atuar. E queria fazê-lo sem ter de renegar quem é.
A importância de Vicente Gil no elenco de "Vitória" ganha contornos maiores quando se observa o alcance da novela. Desde a estreia, a trama conquistou público e as primeiras audiências. A visibilidade que o papel na novela lhe dá não é apenas simbólica: é real, diária - e com ela, vem a responsabilidade de representar a comunidade cigana em horário nobre.
Quando os olhares continuam enviesados
Mesmo com o sucesso televisivo e percurso académico, o preconceito manteve-se constante. Na escola, Vicente Gil e os primos eram referidos como "os ciganitos" e chegaram a ouvir pedidos para esconderem a origem.
Anos depois, o ator garante que a descrença persiste em contextos banais. "Até quando vou à Segurança Social. Não acreditam que uma pessoa como eu pode ser cigana", lamenta. E aponta para as instituições: "As nossas instituições são xenófobas; mais facilmente nos pedem a nós para nos modificarmos. E é assim com muitas minorias."
Essa realidade não o fez desistir. Pelo contrário. Transformou as adversidades em força. "A minha mãe é uma grande mulher cigana. Quem me dera que pudesse ser mãe de muita gente, dar garra a certas famílias", afirma com emoção. A garra que herda transforma-se em empenho para abrir portas e mudar narrativas.
Para além da televisão, Vicente conta com participações no cinema, como a curta-metragem "Cães que ladram aos pássaros", da realizadora Leonor Teles, e no teatro. A cada projeto, reafirma que a sua comunidade existe não como estereótipo, mas como pluralidade, talento e voz.
Neste sábado, no programa "Alta Definição", na SIC, o artista voltou a revisitar o seu passado, as raízes e a falar do futuro. A pergunta que sempre acompanhou a sua jornada: afinal, o que é ser cigano? Para ele, é estar onde quiser, decidir o que quer e nunca permitir que um preconceito defina o seu destino.

