Manuel Alegre, que tem hoje, quinta-feira, a sua última participação no plenário do Parlamento, diz que é altura de rever o sistema eleitoral e deixa conselhos aos mais jovens.
Corpo do artigo
Deputado desde a Constituinte, há 34 anos, o histórico socialista e ex-candidato presidencial, em declarações à agência Lusa, deixa um conselho para os novos deputados.
"Isto não é uma burocracia, porque estamos aqui a representar o povo, não direcções ou aparelhos partidários.
No dia em que se esquecerem que estão a representar o povo, deixam de cumprir o seu papel como deputados", adverte Manuel Alegre, dizendo também que "é altura de rever a lei eleitoral para a Assembleia da República".
Neste seu último dia de plenário, Manuel Alegre vinca que a decisão de abandonar as funções de deputado "foi pessoal, por vontade própria".
"Eu é que decidi não ser candidato [nas listas dos PS nas próximas eleições legislativas]. É um ciclo que termina, agora outro vai começar e em tudo é assim na vida", disse.
Quando analisa os principais momentos que viveu na Assembleia da República, Alegre diz que pensa sobretudo no primeiro dia em que entrou no Parlamento.
"Nasci sob uma ditadura, quando não havia eleições livres e a actual Assembleia da República era uma caricatura de um Parlamento. Havia as farsas eleitorais", referiu.
Com o 25 de Abril de 1974 e com as primeiras eleições livres, o ex-candidato presidencial afirma recordar "a emoção" que sentiu no primeiro dia em que entrou na Assembleia Constituinte.
"Na Constituinte, entrámos com grande emoção. O Francisco Salgado Zenha deu-me uma brochura (escrita em francês) sobre a mais bela função do mundo: a de deputado. O Melo Antunes deu-me os discursos de José Estevão. Nunca mais esqueci esses gestos", salienta o ainda vice-presidente da Assembleia da República.
Para Manuel Alegre, o momento fundador da elaboração da Constituição foi algo de "heróico, épico, romântico, idealista".
"Sentíamos que estávamos a mudar a História, a construir um país novo e democrático. As primeiras eleições foram eleições verdadeiramente de deputados. Nas primeiras eleições legislativas, em 1976, o Mário Soares não era o candidato a primeiro-ministro, mas sim o secretário-geral do PS. Quando lhe perguntavam quem seria o primeiro-ministro, Mário Soares respondia que a Comissão Política do PS é que iria decidir", lembra também Manuel Alegre.
Manuel Alegre elogia a normalização da democracia, embora se mostre crítico de alguns aspectos dos tempos que se seguiram a estes primeiros anos da democracia, sobretudo com a existência de maioria absolutas.
"Com o passar dos tempos passou-se a uma espécie de eleição directa do primeiro-ministro, o que é desvirtuamento do espírito e da letra da Constituição. Eleição directa só há a do Presidente da República. Isto teve como consequência uma menorização do Parlamento e dos deputados", sustenta.
Alegre sublinha que "o deputado é livre no exercício das suas funções, mesmo eleito em lista partidária".
"Caso contrário, a sua função de deputado não tem sentido. É claro que há matérias em que a disciplina de voto tem de funcionar (moções de censura ou de confiança, o Orçamento, o programa do Governo), mas nas outras matérias o deputado deve agir em função da sua consciência em representação dos interesses gerais. Se não o deputado transforma-se num funcionário do seu partido", defende o ex-candidato presidencial, que também vê aspectos nefastos na existência de maioria absolutas.
"Quando há maiorias absolutas há também uma tendência para a governamentalização", apontou.