Cavaco diz que "mau escrutínio das finanças públicas" foi decisivo para crise
O presidente da República atribuiu, esta quarta-feira, a responsabilidade da crise a políticas orçamentais e macroeconómicas erradas e à deficiente supervisão das instituições europeias e apontou "o mau escrutínio do rumo das finanças públicas" como "factor decisivo" para o despoletar das dificuldades.
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"O euro não é a causa da crise. As causas radicam, por um lado, nas políticas erradas, nomeadamente orçamentais e macroeconómicas, seguidas pelos Estados membros e, por outro lado, numa deficiente supervisão por parte das instituições europeias. A responsabilidade por esta crise é claramente partilhada pelos Estados membros e pelas instituições europeias", afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva.
Numa intervenção no Instituto Universitário Europeu, em Florença, intitulada "União Europeia: lições de uma crise", Cavaco Silva procurou desfazer algumas "apreciações e julgamentos errados" que têm vindo a surgir a propósito da crise financeira que a Europa atravessa, recusando a tese de que as dificuldades actuais vêm das insuficiências do Tratado de Maastricht.
Frisando que então "o mundo era diferente" e que o Tratado traduziu "o compromisso possível", o chefe de Estado recordou que lá estavam fixados os mecanismos de supervisão multilateral, nem era ignorada a necessidade de coordenação das políticas económicas.
Por isso, sustentou, foi a execução do Tratado e do Pacto de Estabilidade e Crescimento que o veio complementar "que ficou aquém do que se exigia, por irresponsabilidade de governação dos Estados e por ineficácia das instituições europeias".
"Em particular, houve um factor decisivo para desencadear a crise: o mau escrutínio do rumo das finanças públicas nalguns Estados", advogou.
Por outro lado, continuou Cavaco Silva, a Comissão e o Conselho "não fizeram tudo o que lhes competia para corrigir as situações de défice excessivo".
"É bom lembrar a quebra de credibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento provocada pelo próprio Conselho, ao tudo fazer para que passasse incólume a violação dos limites do défice orçamental por parte da Alemanha e da França, nos primeiros anos deste século", lembrou.
Essa situação acabou por transmitir "um mau sinal para os mercados", no sentido de que "a União Europeia estava pronta a renunciar ao rigor dos critérios, em favor de considerações e circunstâncias políticas impostas por interesses nacionais".
"Como alguns de vós se recordarão, houve, até, quem, para justificar o ajustamento das regras do Pacto, lhe tivesse chamado 'estúpido', disse, referindo-se implicitamente ao antigo presidente da comissão europeia Romano Prodi.
Repetindo uma mensagem que já tinha deixado na terça-feira na rede social Facebook, Cavaco Silva recusou por isso a atribuição da culpa da crise da Zona Euro "ao Tratado e apenas aos Estados Membros financeiramente indisciplinados".
O presidente da República salientou igualmente a importância de reconhecer que a crise envolve a zona euro e não está confinada a um ou outro Estado membro, avisando que qualquer desenvolvimento negativo num Estado da zona euro terá sempre impacto negativo em todos os outros Estados, sendo por isso necessário prevenir este risco de contágio, que "não pode ser menosprezado".
A forma como a União Europeia tardou a reagiu perante a evidência da crise mereceu igualmente reparos por parte de Cavaco Silva, que lamentou que a instituição se tenha enredado "numa retórica política de recriminações mútuas, evitando reconhecer a responsabilidade partilhada, ignorando a evidência dos riscos de contágio, hesitando na solidariedade, oscilando nos instrumentos a usar, promovendo uma deriva intergovernamental".
"A União Europeia deu guarida a uma crescente especulação sobre a zona euro, alimentando as incertezas sobre o próprio futuro da moeda única. Ora, o que os mercados estão a testar é precisamente a existência de uma verdadeira e consistente União Económica e Monetária", avisou.
"O tempo que enfrentamos exige acção e acção rápida. Os mercados não esperam por discussões labirínticas e negociações intermináveis", defendeu.