Oscilações sucessivas no Directório do Partido Republicano acabaram por jogar contra todos os que conspiravam para proclamar a República a partir do Porto.
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De modo nenhum o mais importante, a propósito da revolta do Porto, é perceber se foi civil ou militar. A pergunta óbvia é outra: por que falhou? Não era o momento, pode agora dizer-se, mas rever passos da conspiração dá sentido a esse desencontro.
Poderia dizer-se que falhou a parte militar porque não havia solidez na vertente civil do movimento, não em termos locais, claro, mas a nível nacional, o que seria essencial para que a revolta, embora nascida no Porto, pudesse consumar-se na capital do reino. Os contactos foram feitos, tanto quanto nos dão a perceber as fontes disponíveis (não há actas de conspirações, obviamente), mas as divisões no Partido Republicano em nada ajudaram a fazer da onda patriótica nascida em 1890, com o ultimatum, o momento decisivo para quebrar a monarquia. Seriam precisos mais quase vinte anos.
Se é certo que o último quartel do século XIX representou, para o Partido Republicano, um período de afirmação (havia Imprensa republicana e centros republicanos em quase todas as cidades), não o é menos que, nesse início de 1891, estava ainda o partido a sofrer o abalo gerado por uma profunda dissidência, ocorrida em Setembro do ano anterior. Figuras cimeiras dessa clivagem eram Elias Garcia, que se manteve à frente do Directório, com o apoio da ala mais conservadora, e o tenente de caçadores Homem Christo, que, repetindo as palavras de Jorge D'Abreu, juntou em seu redor "todos os radicais". Janeiro de 1891 seria, justamente, o mês em que um congresso serviria para resolver esse diferendo.
Para os republicanos do Porto, na verdade, nunca deixou de ser Elias Garcia a figura mais aceite. Segundo os cronistas, a favor desta figura (que, diga-se, após 1910, deu o nome à entretanto desaparecida Rua de D. Pedro, onde estava instalado o "Jornal de Notícias") jogava a circunstância de estar, também, empenhado numa revolta militar nortenha, além de o seu representante no Porto, Basílio Teles, estar relacionado com Alves da Veiga, que, como temos dito, foi o chefe civil do 31 de Janeiro. Ora, Homem Christo teve, desde o início, muitas reservas em relação à "sargentada do Porto", mas houve uma altura em que se deslocou à Invicta, com a intenção de conversar com Alves da Veiga e com Rodrigues de Freitas, o que não conseguiu. Acabou por encontrar-se com o polémico Santos Cardoso, que detestava, e a conversa, testemunhada por João Chagas, não terá sido muito cordial. Apesar disso, Homem Christo despediu-se a dizer que ia falar "com uns rapazes", eventualmente militares, e, depois disso, mostrou-se mais animado quanto ao curso da conspiração.
Mas não havia, no Porto, muitas certezas quanto ao apoio do directório, pelo que João Chagas foi enviado a Lisboa, onde recebeu sinais de estímulo de Elias Garcia, de Teófilo Braga e do general Sousa Brandão, tendo este viajado para o Porto, pouco depois, para se inteirar pessoalmente do andamento da revolta.
Depois disso, porém, o congresso do partido ditou a reviravolta, dando vantagem à facção de Homem Christo. Primeiramente, o novel Directório emitiu um comunicado que era visto como estímulo à revolução: "No estado actual da crise portuguesa, só existe uma solução nacional, prática e salvadora: a proclamação da República". Todavia, pouco depois (a 25 de Janeiro) uma outra circular, em que, implicitamente, era tirada autoridade oficial aos republicanos portuenses. Dois dias depois, um texto do próprio Homem Christo desancava os revoltosos portuenses: "Revoluções fazem-se. Não se dizem nem se apregoam. Quando se dizem e quando se apregoam, ou é desconchavo que faz rir, ou armadilha lançada aos ingénuos e simples do mundo".
Esta atitude, relatada por Jorge D'Abreu em 1912, pode ser vista como uma vingança pessoal contra Santos Cardoso, jornalista sem escrúpulos que coleccionava inimigos. Certo é que serviu para anular a unidade nacional necessária à revolução. Os do Porto não fraquejaram nem recuaram, mas a República foi adiada.