O ex-presidente da República Mário Soares afirmou esta sexta-feira que quando olha para a sociedade portuguesa vê "aflição" e considerou que o chefe de Estado, Cavaco Silva, tem dito "pouco" sobre a actual situação do país.
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A posição de Mário Soares foi assumida em entrevista à Antena 1, transmitida esta sexta-feira, durante a qual disse ser amigo pessoal de Pedro Passos Coelho e em que também afirmou esperar que José Sócrates aproveite o período de afastamento da vida política para "curar" a sua "ponta de irritabilidade".
"Estou a ver a sociedade portuguesa e estou a ver a aflição. Não basta dizer que isto está mal, isto vai ser muito grave, que temos todos de ter muito cuidado, como o Presidente da República fez -- isso é pouco", declarou Mário Soares, depois de ter feito uma série de duras críticas ao funcionamento presente da União Europeia e à forma como os mercados tentam "dominar" e "destruir" os estados soberanos.
Em relação ao primeiro-ministro, Soares disse ser "amigo dele". "Isso não quer dizer que seja íntimo -, mas temos relações de amizade. Tenho simpatia e estima por ele, é um homem de boa-fé, embora não goste de certas ideias que ele tem tipo neoliberal. Como solução, acho que as privatizações vão ser uma desgraça", advertiu o fundador do PS, numa entrevista realizada antes do corte do 'rating' de Portugal por parte da agência de notação financeira Moody's.
Mário Soares disse mesmo que é impossível prever agora se o Governo de coligação PSD/CDS vai chegar ao fim da legislatura de quatro anos: "Vão existir muito dissabores até ao fim do ano, quanto mais até ao fim [da legislatura]", exclamou a meio da entrevista.
Em relação ao PS, Soares voltou a manifestar-se neutral entre António José Seguro e Francisco Assis na corrida à liderança desta partido, mas identificou problemas entre os socialistas, o primeiro dos quais o facto de ter havido "muita gente dentro do PS que pensava que o partido era uma coisa boa para se estar e para se poder ganhar dinheiro".
Com "esta coisa de um partido estar muito tempo no poder, aquilo foi-se deteriorando um pouco. Houve situações difíceis. Falo nestes seis anos e também nos de [António] Guterres", observou.
Outro problema do PS, segundo o ex-chefe de Estado, foi a influência da chamada "Terceira Via" britânica ao nível da prática política.
"O PS deixou-se levar muito pelo 'blairismo' - isso foi a grande desgraça dos socialistas europeus", advogou.
Já em relação a José Sócrates, elogiou a forma como reagiu à derrota eleitoral e considerou que tem plenas hipóteses de regressar mais tarde à primeira linha da vida política.
"Parece que [José] Sócrates quer agora fazer uma cura cultural em França, na área da filosofia política. Vai amadurecer. É uma pessoa corajosa, que se atira para a frente, mas tem uma ponta de irritabilidade - e tem de curá-la", considerou.
Questionado sobre a possibilidade de a prazo haver um entendimento entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda, o ex-Presidente da República afirmou ver com "tristeza" a posição de auto-exclusão de comunistas e bloquistas.
Para Soares, o resultado eleitoral do Bloco de Esquerda "significa" mesmo que esta força política "está em decadência".
"O Bloco de Esquerda lançou-se nesta coisa toda para comer votos ao PS (essa é que é a verdade), mas não foi isso que aconteceu", defendeu.