O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou que irá pedir à Procuradoria-Geral da República que esclareça se cometeu ou não algum ilícito relativo às suas obrigações legais e fiscais enquanto deputado, e prometeu tirar "todas as consequências".
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"Julgo que é importante para o desempenho de funções públicas que seja a própria Procuradoria-Geral da República a esclarecer exatamente os termos em que essa relação de natureza jurídica possa ter ocorrido entre uma empresa na qual prestei serviços, seguramente desde que saí do parlamento, e aquilo que são as obrigações legais, que compete também à Procuradoria poder esclarecer se envolvem algum ilícito ou não", afirmou Pedro Passos Coelho.
"Eu não deixarei evidentemente de tirar todas as minhas conclusões e todas as consequências em função daquilo que for o apuramento que a Procuradoria-Geral da República vier a fazer sobre esta matéria", acrescentou.
Pedro Passos Coelho falava aos jornalistas numa conferência de imprensa conjunta com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, com quem esteve reunido na sua residência oficial, em Lisboa.
Questionado se já se recorda se foi ou não remunerado pela empresa Tecnoforma enquanto exerceu funções de deputado entre 1995 e 1999, Passos Coelho voltou a alegar ser difícil lembrar-se de "processos de rendimentos que foram auferidos há 19 ou há 17 ou 16 anos".
Referindo não ter ainda lido as informações prestadas hoje pela Assembleia da República, o primeiro-ministro assinalou a informação divulgada pelo parlamento na segunda-feira sobre o regime em que exerceu funções de deputado, segundo a qual "não existe qualquer declaração de exclusividade entre novembro de 1995 e 1999" da sua parte.
"Creio que agora sobra uma questão, que é a de saber se existe ou não incoerência entre aquilo que eram as minhas obrigações de natureza legal ou fiscal e aquilo que foi o regime sob o qual exerci essas funções [de deputado]. Eu creio que só há uma maneira de proceder nesta matéria que é solicitar à Procuradoria-Geral da República que faça as averiguações especificamente sobre esta matéria que devam ser realizadas de modo a poder esclarecer se existe ou não algum ilícito, independentemente de ele poder ter sido entretanto prescrito ou não", declarou Passos Coelho, adiantando que "ainda hoje" iria pedir esse esclarecimento.
"Ainda hoje dirigirei à senhora procuradora-geral um pedido claro no sentido de verificar de 1995 até hoje qual é o tipo de ilícito que possa existir, e se existe independentemente de ele poder ter tido um quadro de prescrição associado - independentemente disso", frisou, concluindo: "E aguardarei".
Interrogado sobre o subsídio de reintegração que a Assembleia da República lhe terá atribuído com base em dados sobre os seus rendimentos quando em 1999 deixou de ser deputado, Passos Coelho respondeu: "Os termos em que isso é compaginável ou não com alguma situação de natureza profissional que eu tenha, a esse tempo, mantido fora do parlamento deve ser esclarecido em termos de investigação da própria Procuradoria. Não posso ser mais claro nem mais aberto do que isto".
Antes, Passos Coelho disse: "O que a Assembleia, em qualquer caso, já deu nota pública foi que existiu um regime de não exclusividade, em que o pagamento que me foi feito no parlamento enquanto exerci funções de deputado obedeceu e, depois, o que não é incompatível, uma solicitação que foi apresentada por mim de atribuição de um subsídio de reinserção - que não tem que ver, como toda a gente sabe, com a chamada subvenção mensal vitalícia, que eu não requeri".
O primeiro-ministro escusou-se a responder a mais questões sobre o regime em que exerceu funções de deputado e a eventual acumulação dessas funções com a sua atividade na empresa Tecnoforma.
AR diz que subsídio de Passos ter-se-á baseado em "dados sobre os rendimentos"
A secretaria-geral do parlamento afirmou esta terça-feira que "não existe" na Assembleia uma "declaração de exclusividade" de Passos Coelho enquanto deputado entre 1995 e 1999 e que a posterior atribuição de subsídio ter-se-á baseado em dados sobre os rendimentos.
"O parecer do então auditor jurídico da Assembleia, do ano 2000, homologado pelo então Presidente da Assembleia da República, emitido em processo posterior de atribuição do subsídio de reintegração, consubstanciará uma interpretação que, para efeitos de atribuição daquele subsídio, não atende à questão formal da existência ou inexistência da declaração de exclusividade, mas sim à situação factual relativa aos dados sobre os rendimentos do período em causa", afirma o gabinete do secretário-geral, em comunicado.
No comunicado, o gabinete do secretário-geral afirma que "não existe uma declaração de exclusividade relativa ao período que medeia entre novembro de 1995 e 1999" e que "também não foi pago o complemento de 10%, que corresponde a essa declaração".
Na segunda-feira, o gabinete do secretário-geral da Assembleia da República informou, em declaração enviada à Agência Lusa, que "não existe qualquer declaração de exclusividade entre novembro de 1995 e 1999" em nome de Pedro Passos Coelho, afirmando que existia apenas uma declaração de exclusividade de 1992.
O esclarecimento surgiu após Passos Coelho ter defendido, durante o fim de semana, que o parlamento se pronunciasse sobre as condições em que exerceu funções de deputado há cerca de 15 anos, considerando ser-lhe difícil recordar-se de todas as responsabilidades que exerceu há 15 anos ou mais, enquanto deputado.
O jornal Público escreveu hoje que, "em 1999, o atual primeiro-ministro requereu - e foi-lhe concedido - um subsídio de reintegração de cerca de 60 mil euros, destinado a deputados em dedicação exclusiva".
Segundo o Público, Passos Coelho fundamenta, num requerimento dirigido ao então presidente da Assembleia da República, Almeida Santos (PS), a 27 de outubro de 1999, que não recebeu outro vencimento fixo entre novembro de 1991 e outubro de 1999, tendo inclusivamente pedido um parecer à comissão de Ética para se assegurar de que as colaborações com a comunicação social não eram incompatíveis com o regime de exclusividade.
O subsídio de reintegração passou a ser atribuído apenas aos deputados em regime de exclusividade a partir de 1995, tendo sido legalmente extinto em 2006.
Na semana passada, a revista Sábado noticiou que a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, recebeu uma denúncia sobre alegados pagamentos do grupo Tecnoforma a Passos Coelho quando este desempenhou funções de deputado em exclusividade entre 1995 e 1999 (e que ascenderiam a 150 mil euros).
De acordo com a revista, essa situação violaria a lei em vigor, que impede os deputados que optem pela exclusividade de funções de acumular outros rendimentos no Estado e em empresas e associações públicas e privadas.
Hoje, após a notícia avançada pelo Público, o coordenador do BE João Semedo alertou que a "nebulosa" criada por Pedro Passos Coelho ao "desconversar" sobre o regime de exclusividade no parlamento compromete o cargo de primeiro-ministro que exerce e exigiu esclarecimentos definitivos.
"Esta nebulosa compromete a função que o primeiro-ministro exerce, o seu prestígio, credibilidade, seriedade, honorabilidade. Isso não é compatível com o cargo de primeiro-ministro, que tem todo o interesse em esclarecer a situação. É isso que exigimos que, de uma vez por todas, o primeiro-ministro faça", reclamou João Semedo, em declarações aos jornalistas no Porto depois de uma reunião sobre o salário mínimo nacional.