<p>Lisboa acolhe, amanhã e além, os chefes de Estado e de Governo dos 28 membros da NATO para refundar aquela organização e torná-la global mediante parcerias estratégicas. Nas quais o inimigo de outrora, a Rússia, desempenhará um papel fundamental. </p>
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O novo Conceito Estratégico (CE) que refundará a organização militar com mais de 60 anos, depois de aprovado pelos representantes dos 28 países-membros esperados na FIL, no Parque das Nações, vai tornar a Aliança, de cariz defensivo (reactivo) e regional, numa organização proactiva e global, conforme a proposta do relatório da equipa chefiada por Madeleine Albright, ex-secretária de Estado dos EUA. É que o Mundo mudou desde o último CE, datado de 1991, e muito mais desde o Tratado de Washington (1949).
"Mudou sobretudo o conceito de defesa. Na altura, era entendida como salvaguarda de pessoas e bens; agora, é entendido como a salvaguarda de valores e modos de vida. Neste âmbito, a NATO continua a ser a organização mais significativa que existe", diz António José Telo, historiador e especialista em defesa, realçando que "a alternativa, que seria no âmbito da União Europeia (UE), não funciona tanto em termos de política externa como de defesa".
Mas mudou também o governo da potência liderante, os EUA, realça Tiago Moreira de Sá, docente do ISCTE e investigador do ISPRI. "O novo CE da NATO terá de responder aos problemas colocados pela Directiva Nacional Estratégica da Administração Obama, cuja ideia geral é a de retraimento dos EUA, com a retirada de algumas regiões - como o Afeganistão e o Iraque -, gerando um vazio que pode ser ocupado pelo Irão, por exemplo. O desafio é saber se a NATO pode ser uma alternativa e ocupá-lo em regiões como o Médio Oriente e numa perspectiva multilateral" (sob mandato da ONU).
Nesse âmbito cooperativo, a Rússia é fulcral. O presidente Dmitri Medvedev aceitou debater com os homólogos ocidentais, e principalmente Barack Obama, no âmbito do Conselho NATO--Rússia (órgão de consulta bilateral criado em 2002), a instalação de um Sistema de Defesa Antimíssil (SDA) na Europa. A boa vontade das partes, impensável há dois anos (com a tensão gerada pela invasão da Geórgia), sinaliza mudanças nos equilíbrios mundiais.
"Resultante da crise de 2008, aumentou o peso relativo das potências emergentes - China e Índia à cabeça, que são também potências nucleares -, o que suscitou novo olhar sobre a Rússia", assinala Telo. Além disso, sublinha Moreira de Sá, "Moscovo é fundamental para resolver o Afeganistão, o Iraque e o projecto nuclear iraniano. E, para os europeus, com a Alemanha à cabeça, é importante incorporar a Rússia no sistema internacional".
A cooperação russa
A Rússia é a potência sucessora da URSS, império atolado no Afeganistão, onde a NATO tem mobilizados 142 mil homens e que, por isso, será central na cimeira de Lisboa. Embora a presença de Hamid Karzai seja incerta, o general David Petraeus, comandante das forças internacionais no território, estará na FIL para mostrar aos aliados os planos de transferência da responsabilidade da segurança para as forças afegãs. O calendário está definido - até 2014 - e a passagem gradual nas 37 províncias do país, também.
Mesmo que a NATO deixe o território, onde se encontra ao abrigo do Art.º 5, activado pela primeira (e única) vez em 2001, sem a humilhação militar que alguns analistas vaticinam, a missão terá já reflexos no CE a ratificar em Lisboa. Segundo Moreira de Sá, "os europeus têm estado indisponíveis para correr os mesmos riscos e pagar o mesmo preço que os norte-americanos. Ora, o que está em debate em Lisboa é que os europeus passem a pagar um preço maior no futuro". Já a partir de sábado e até 2020.