O segunda sessão do julgamento "Face Oculta", que decorre no tribunal de Aveiro, terminou cerca das 17.20 horas sem concluir a audição ao antigo ministro Armando Vara, pelo que foi marcada nova audiência para na quinta-feira.
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O juiz Raul Cordeiro, que preside ao colectivo de juízes que está a julgar o caso, deu por terminada a sessão quando estava a ser discutido um requerimento apresentado pelo Ministério Público (MP), para o tribunal ouvir escutas que não constam dos autos.
Segundo o procurador Marques Vidal, estas escutas poderão ajudar a esclarecer "várias contradições" encontradas pelo MP entre as declarações prestadas por Armando Vara em tribunal, durante esta quarta-feira, em comparação com as prestadas durante a fase de inquérito.
Em causa, está o alegado envolvimento do ex-ministro socialista na tentativa de afastar Ana Paula Vitorino, que na altura era secretária de Estado dos Transportes, e o então presidente da Refer, Luís Pardal, para resolver o diferendo entre a empresa O2, de Manuel Godinho, e a Refer.
O advogado de Vara, Tiago Rodrigues Bastos, classificou esta atitude como "uma forma pouco leal da acusação lidar com a defesa, porque dispõe do meio de prova que pretende juntar aos autos desde há muito tempo".
Além disso, acrescentou o causídico, só por "manifesta distracção" é que a acusação pode pretender afirmar desconhecer a posição que Armando Vara manteve a propósito da alegada controvérsia em causa no documento, uma vez que "sempre afirmou que não tinha tido com qualquer dos arguidos qualquer tipo de conversa respeitante a qualquer hipotética demissão de quem quer que fosse".
Durante a sessão, o juiz questionou Armando Vara sobre uma conversa telefónica entre o arguido e Manuel Godinho, onde este último se referia à "situação dos 25 quilómetros".
"O que é que isto significa", questionou o juiz. Vara respondeu que o empresário estaria a falar de "um depósito no BCP para ele (Manuel Godinho) voltar a ter uma relação com o banco" e adiantou que "quilómetros" é uma "gíria com dinheiro utilizada no mundo dos negócios".
O juiz voltou a insistir e perguntou-lhe se não estavam a falar dos 25 mil euros que Manuel Godinho teria entregue a Armando Vara durante um almoço na casa do empresário das sucatas, em Ovar, como a acusação sustenta. "Isso é o maior insulto que eu carrego todos os dias", respondeu o ex-administrador do BCP.
Armando Vara queixou-se ainda ao colectivo de juízes de ter sido insultado por uma pessoa, à hora do almoço e dentro das instalações do tribunal e questionou se não seria possível identificar o autor, referindo-se ao cidadão anónimo que interpelou o antigo ministro.
"Isto não é normal", acrescentou o antigo ministro, para quem seria interessante "saber se há alguma coisa por trás". Armando Vara confessou ainda que os últimos dois anos foram "os piores" da sua vida. "Nunca me senti tão envergonhado", afirmou.
O caso 'Face Oculta', que começou terça-feira a ser julgado no Tribunal de Aveiro, tem 36 arguidos (34 pessoas e duas empresas) e está relacionado com uma alegada rede de corrupção que tinha como objectivo o favorecimento de um grupo empresarial de Ovar, ligado ao ramo das sucatas, nos negócios com empresas do sector empresarial do Estado e privadas.