Diretor de Reserva Natural do Estuário do Tejo admite que sentiu pressões no caso Freeport
Um diretor da Reserva Natural do Estuário do Tejo afirmou, esta segunda-feira, no julgamento do caso Freeport que sentiu "pressões contínuas" de um funcionário da RNET, que também era técnico da Câmara de Alcochete, no sentido de "apoiar" o projeto.
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Ouvido como testemunha da acusação pelo Tribunal do Barreiro, onde decorre o julgamento, o engenheiro agrónomo José Manuel Queirós Vasconcelos identificou o funcionário da RNET e da autarquia José Marques como o responsável pelas "pressões" no sentido da Reserva Natural "apoiar o empreendimento" dos ingleses da Freeport.
"Havia um funcionário da RNET (José Marques) que atuava como se fosse o patrão da iniciativa", relatou a testemunha, acrescentando que "foi difícil gerir" as "pressões contínuas" daquele elemento, que também trabalhava para a Câmara Municipal de Alcochete (CMA).
José Manuel Vasconcelos disse conhecer os arguidos - os consultores Manuel Pedro e Charles Smith - mas que nunca ouviu nenhum deles falar sobre pagamentos ilegais para aprovar o projeto do outlet de Alcochete.
Confrontado pelo procurador Vítor Pinto sobre se não ouviu conversas sobre tais pagamentos, a testemunha hesitou e depois declarou: "Há coisas que oiço e não dou valor".
Durante a sessão de hoje, o tribunal ouviu também Honorina Silvestre, ex-assessora do Urbanismo da CMA, que admitiu ter uma "relação de amizade" com o colega de autarquia José Marques, negando contudo que alguma vez tenha sido contactada para traablhar como consultora dos ingleses da Freeport.
A testemunha, evidenciando algum nervosismo, e que se fez acompanhar de advogado, foi confrontado pelo Ministério Público com faxes do consultor Charles Smith para os ingleses da Freeport, a dizer que não se deixassem intimidar pela assessora do urbanismo da CMA e que não cedessem mais nas pretensões.
Honorina Silvestre disse ao tribunal não ter explicações para tais mensagens enviadas por Charles Smith, da consultora Smith & Pedro, reiterando que nunca trabalhou para os ingleses da Freeport e que foi "apenas uma vez" à obra.
"Nunca me fizeram qualquer proposta para ser contratada como consultora (do Freeport). Não percebo" o teor da mensagem de Charles Smith, respondeu.
O coletivo de juízes ouviu José Manuel Silva Ginja, técnico oficial de contas (TOC) da Smith & Pedro, que garantiu ser "falso" que tenha havido levantamentos em numerário, assegurando que todo o dinheiro saiu através de cheques.
O TOC da Smith & Pedro deu ainda explicações técnicas sobre 410 mil euros não facturados em 2002 e 284 mil euros em 2003, dizendo que tudo foi devidamente regularizado e auditado pela Delloite.
Afirmou ainda que era o engenheiro João Crabal, da Smith & Pedro, que juntava as faturas e lhe enviava mensalmente para o seu escritório de contabilidade em Faro.
Foram ainda analisados pagamentos com IVA e sem IVA dos ingleses da Freeport, tendo a testemunha dito que mais tarde tudo foi pago pela empresa britânica.
O julgamento prossegue durante a tarde de hoje, com o interrogatório de mais duas testemunhas da acusação.
O processo Freeport teve na sua origem suspeitas de corrupção e tráfico de influências na alteração à Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo e licenciamento do espaço comercial em Alcochete quando era ministro do Ambiente José Sócrates, que veio mais tarde a ser primeiro-ministro.
Os dois arguidos respondem por tentativa de extorsão.