"Linha Banif, muito bom dia! O meu nome é João Pulido. Em que posso ajudar?". Voz colocada, corpo hirto na cadeira, olhos fixos no monitor e mais um dia de trabalho no Contact Center do Banif, no Porto.
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Mais um dos muitos dias de trabalho que João Pulido, de 32 anos, espera cumprir ao serviço do banco, numa área de trabalho na qual, de fora, não se vê futuro. "Claro, percepciono uma carreira", explicou, pragmático. "Apesar dos tempos conturbados, principalmente nesta área... Mas estou a tentar assentar arraiais e ver se perspectivo, no futuro, uma carreira bancária", argumentou João Pulido.
Projectos sem mácula de estigma por trabalhar num call center, assegura o jovem licenciado em Relações Internacionais. "Este é um trabalho ligado à Banca e não é por se estar ao telefone que há o apontar do dedo à geração dos 500 euros", garante.
João Pulido é um dos cerca de 50 mil trabalhadores do sector dos contact centers, hoje um patamar incontornável em muitas das rotinas diárias de todos nós. Geralmente, são jovens, estudantes ou recém-licenciados. Muitos são trabalhadores temporários em virtude da sazonalidade das campanhas levadas a cabo pelas empresas. Alguns são-no por opção, outros, como o João, até perspectivam evoluir na carreira. Mas a imagem de serem mal pagos, de não terem perspectivas e de serem explorados há muito que se enraizou na sociedade.
O JN visitou dois contact centers: um da Teleperformance, na Covilhã, e o do Banif, no Porto, os únicos que aceitaram abrir as portas à Comunicação Social.
"As pessoas pensam sempre em jovens que estão a estudar e isso já não é tanto verdade. Temos uma grande percentagem de jovens que estão a estudar, mas já passaram por mim muitos que achavam que só vinham até acabar o curso e ainda cá andam, se calhar até como eu...", explica Ana Magalhães, directora da Teleperformance na Covilhã. "Nunca pomos a barreira idade", assegura, explicando que a inicial falta de flexibilidade para trabalhar com tecnologia das pessoas com mais de 40 anos é compensada pela maior capacidade de comunicação, que lhes advém da maior experiência de vida.
No Contact Center da Covilhã trabalham 160 pessoas. Serão 200, no final do mês, e poderão chegar às 298. Um oásis no deserto de empregabilidade do Interior, reconhecido pela maioria da população. "No início as pessoas paravam-me e perguntavam-me: 'A senhora é que é a directora ali do mercado?'... E diziam: 'Bem haja, vem dar emprego aos nossos jovens", conta Ana Magalhães.
Lília Dias é das que agradecem a oportunidade. "No início, começou por ser um trabalho temporário... Aqui na zona não há rigorosamente mesmo mais nada", começa por explicar a telefonista. "Fui-me entrosando... Agora uma das coisas que mais gosto de fazer é trabalhar e estar aqui. E penso ficar até me quererem cá...".
Trabalhou quatro anos como gerente de um restaurante até que foi, como muitos, apanhada pelo desemprego. Aos 30 anos, e com três filhos, Lília Dias viu-se sem perspectivas, numa cidade pequena como a Covilhã. "A zona centro do país é muito precária a nível de trabalhos e todas as pessoas têm tido uma oportunidade aqui, mesmo que seja só de passagem até encontrarem um emprego na área delas. Tem sido um ponto para aliviar o desemprego".
Na sala ampla onde funciona hoje o contact center estavam antes as barraquinhas coloridas de roupa do mercado municipal. Foram-se as bancas, manteve-se o colorido. Pela indumentária "super-casual" dos operadores, pelos sorrisos e conversas partilhadas em cada um dos módulos que organizam o espaço.
A organização é mais do que espacial. É também emocional. Há o grupo dos "metralhas". E os que a cada objectivo cumprido juntaram um osso a um esqueleto, agora, orgulhosamente completo e exposto. E os que publicitam o domínio de línguas estrangeiras, juntamente com o número da extensão telefónica para ajudar algum colega em apuros de comunicação. Oferecem-se competências em inglês, francês e espanhol.
Passam-se os dias e trabalha-se a pensar nas cerejas que o Marco Campanha, outro dos operadores, poderá trazer do Fundão para adoçar as conversas. Aluno do quarto de Marketing, no Instituto de Politécnico de Castelo Branco, Marco, de 24 anos, também começou por pensar no trabalho no contact center como temporário. Seis meses bastaram mudar de ideias: "Ganhar o que ganho ali compensa".
Lília e Marco convivem com a estranheza de quem não compreende o que fazem no dia-a-dia. "Toda a gente acha que um call center é um trabalho precário, que se trabalha muito, que sofro tudo e mais alguma coisa", explica Lília. "Mas costumo dizer que dou voz ao meu trabalho durante oito horas e as pessoas começam a perceber o que estamos aqui fazer. E é muito gratificante atender uma pessoa que, no início, começa a disparatar no início de chamada, mas que no fim nos agradece e fica com a situação resolvida", conta.
No contact center do Banif, no Porto, o ambiente é mais formal. Os homens usam fato e gravata, as mulheres vestuário mais cuidado. Antes de serem funcionários do atendimento directo, as 40 pessoas que ali trabalham sentem-se empregados do banco. E se ainda não o são de facto, anseiam por ser.
Como o João Pulido que chegou ao contact center do Banif depois de passar por outras "situações de contratos curtos e de exigências grandes a nível de objectivos" de trabalho. "Estava a trabalhar, fui concorrendo apesar de estar numa outra situação profissional. E quando surgiu a oportunidade do Banif agarrei-a", explica. "Depois vim para aqui... Todos os dias sinto que aprendo coisas novas, que estou a evoluir e que tenho de deitar a mão a isto e àquilo. É um trabalho onde tem de se saber bastante de banca, de tudo", argumenta.
Susana Tomás tem 24 anos e desde os 18 que trabalha. Foi vendedora de automóveis e trabalhou num jardim-de-infância, até que foi recrutada por uma empresa de trabalho temporário para o contact center do Banif. Há um ano assinou contrato com o banco. "Ainda há muito a aprender. A banca não se limita aquilo que estou a fazer neste momento", explica.
"Temos pessoas que já estão aqui há muito tempo... E, depois, a partir do momento em que vêm para aqui ficam no banco. Daqui, há muitas vezes a saída para as agências, o sector é visto como uma fonte de recrutamento interno", esclareceu Isabel Baltar, coordenadora do Contact Center do Banif.