Os investigadores europeus estão a desenvolver ferramentas em linha para ajudar as pequenas e médias empresas a melhorar a saúde mental dos funcionários.
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Perguntar a uma pessoa que trabalha numa pequena empresa como estão a correr as coisas pode originar uma variedade de respostas. Por um lado, o trabalho numa pequena organização pode ser agradável, excitante e criativo. Por outro, é frequentemente solitário, agitado e stressante.
Para Ella Arensman, há algo na natureza das pequenas e médias empresas (PME), qualquer que seja o setor, que torna os seus funcionários vulneráveis quando se trata de bem-estar psicológico e emocional. Ao contrário das empresas maiores, as PME carecem frequentemente de apoio dedicado nesta área.
Pequenas empresas, grandes testes
Arensman é professora de saúde mental pública na Universidade College Cork, na Irlanda, e coordenadora do projeto MENTUPP, financiado pela UE, que começou em 2020 e decorre durante este ano. Com parceiros de toda a Europa, a iniciativa é pioneira numa nova abordagem para ajudar as PME a enfrentar os problemas de saúde mental dos trabalhadores, incluindo a depressão.
"Esperamos que o projeto MENTUPP possa apoiar as pessoas na sua saúde mental", afirmou Arensman. "Assim, talvez a progressão da depressão possa ser revertida".
A UE acolhe cerca de 23 milhões de PME, definidas como empresas que possuem menos de 250 trabalhadores e um volume de negócios anual que não ultrapassa os 50 milhões de euros. Desde empresas de construção e transportadoras a cafés e cabeleireiros, estas constituem mais de 90 % das empresas da UE.
Durante quatro décadas, Arensman liderou o trabalho internacional em automutilação, suicídio, depressão, ansiedade, abuso de substâncias e o estigma em torno da saúde mental no trabalho.
Observou uma tendência crescente nestes desafios enfrentados pelos trabalhadores, com graves consequências para os próprios indivíduos e para a sociedade em geral.
Atualmente, a depressão e a ansiedade são os problemas psicológicos e emocionais mais prevalecentes no local de trabalho. Um em cada cinco trabalhadores relata problemas de saúde mental.
O problema foi agravado pela pandemia de COVID-19 que eclodiu em 2020. Se acrescentarmos a atual crise do custo de vida causada pela elevada inflação, o resultado é uma tempestade perfeita para a saúde mental.
O custo de arrastamento para a economia devido à perda de produtividade e ao absentismo é impressionante. De acordo com estimativas globais da Organização Mundial da Saúde, perdem-se anualmente 1 bilião de dólares (cerca de 940 mil milhões de euros) de produtividade no local de trabalho, devido à depressão e à ansiedade. Neste contexto, a atenção a nível da UE está agora centrada na intervenção, que é onde o projeto MENTUPP tem um papel a desempenhar.
Três setores vulneráveis
O projeto fornece um recurso em linha gratuito para os funcionários das PME. O objetivo é colmatar uma lacuna no apoio ao bem-estar em três setores onde os trabalhadores são considerados particularmente vulneráveis: construção, saúde e tecnologias da informação. Em 2019, Arensman publicou um estudo sobre os fatores de risco relacionados com o trabalho e associados ao suicídio. Desde então, tem estado numa missão para melhorar o apoio.
"Percebi que precisávamos de trabalhar muito mais a montante, antes que as pessoas entrassem nestas crises suicidas", afirmou.
A equipa do projeto MENTUPP está a inspirar-se num programa de prevenção do suicídio, desenvolvido na Austrália, para ajudar os trabalhadores da construção civil a falarem sobre ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Durante a última década, a "Mates in Construction" (MIC) tem desafiado os estigmas relativos à saúde mental e aumentado a consciencialização para as técnicas de promoção do bem-estar num setor tradicionalmente dominado por homens, onde tais conversas podem ser difíceis de promover.
Arensman considera que o trabalho da organização MIC é "excecional" a quebrar barreiras e a aumentar o número de trabalhadores com acesso a apoio. Um relatório de 2020 da MIC e da Universidade de Melbourne concluiu que, desde que o programa "Mates" foi introduzido, as taxas de suicídio entre os trabalhadores da construção civil em toda a Austrália diminuíram quase 8 %, aproximando o nível da média masculina em muitos estados australianos.
Arensman está agora a testar o sistema de apoio em linha do MENTUPP. Este oferece centenas de materiais baseados em elementos concretos, desde sugestões para que se deixe de estigmatizar conversas sobre saúde mental no local de trabalho até ao aumento do bem-estar dos trabalhadores das PME.
Dicas personalizadas
Em Barcelona, Espanha, Beatriz Olaya detetou problemas de saúde mental semelhantes enfrentados pelos trabalhadores das PME.
"Quando visitámos estes pequenos negócios, percebemos que existia uma enorme carência", afirmou Olaya, psicóloga clínica. "As pessoas precisam de apoio psicológico e muitas vezes não sabem como ter acesso". Coordena um projeto financiado pela UE, denominado EMPOWER, que aborda questões semelhantes às do projeto MENTUPP e que também teve início no ano de 2020. A decorrer até meados de 2024, o projeto EMPOWER consiste numa plataforma de saúde em linha que inclui um sítio Web, uma aplicação, um vídeo em linha e textos.
Após o registo no sítio Web ou na aplicação, o utilizador preenche uma série de questionários que ajudam a equipa do projeto a obter detalhes sobre os atuais níveis de stress, depressão, ansiedade, sono e fatores de risco psicossocial.
A partir daí, o sistema EMPOWER cria uma série de dicas personalizadas para ajudar as pessoas a sentirem-se melhor. Existe também apoio para aqueles que se encontram de baixa por doença devido a problemas de saúde mental.
Ao iniciar sessão a cada dia, o utilizador é convidado a indicar como se sente, e é guiado através de técnicas psicológicas que ajudam a levantar o ânimo ou a manter a pessoa no caminho certo. As técnicas incluem exercícios de respiração e relaxamento, e tarefas diárias comuns de definição de objetivos para aumentar a motivação.
"Se decidir correr duas vezes por semana, e definir este novo hábito para melhorar a sua disposição, a aplicação vai lembrá-lo e recompensá-lo", afirmou Olaya.
Algumas das dicas baseiam-se na terapia cognitivo-comportamental, que ensina técnicas para lidar com as dificuldades, centrando-se em como os pensamentos, crenças e atitudes afetam os sentimentos e as ações.
Olaya e a equipa desenvolveram o projeto EMPOWER em conjunto com empresas da Finlândia, Polónia, Espanha e Reino Unido. As versões multilingues da aplicação estão atualmente a ser testadas por mais de 600 pessoas nos quatro países.
Sinais de esperança
Relativamente ao projeto MENTUPP, o seu sistema de apoio também inclui uma aplicação e o pacote completo está ainda a ser testado. Os resultados deverão ser apresentados no final deste ano.
Arensman antecipa que o sistema seja então melhorado e aperfeiçoado antes de poder ser implantado de forma muito mais ampla. Num sinal preliminar positivo, recordou como uma pequena empresa de construção irlandesa, que utilizou esta solução, passou a dar um apoio muito melhor ao bem-estar mental de um dos seus trabalhadores.
"Disseram-nos que, se não tivessem tido acesso a estes recursos, não teriam identificado os sinais de alerta", afirmou Arensman. "Com estes recursos, puderam identificar melhor o que estava a acontecer e intervir".
O retorno da informação de outros utilizadores nos países parceiros do projeto MENTUPP tem sido igualmente encorajador. Arensman espera que o projeto prove ser tão eficaz como o programa "Mates", na Austrália, relativamente à redução da automutilação e do suicídio e ao aumento da satisfação e produtividade no trabalho.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.