O Liverpool sofreu uma revolução tremenda desde a entrada do técnico Jurgen Klopp. Os atuais campeões europeus apresentam não só uma equipa notável dentro de campo, como também fora dele. E há um quase desconhecido que é parte da receita do clube inglês e que trabalha com a magia dos números e análises de dados.
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Jurgen Klopp assinou pelo Liverpool em 2015, depois de uma passagem pelo Borussia Dortmund. Os dirigentes do clube inglês revelaram que era o técnico de sonho há vários anos, devido ao trabalho realizado no país germânico, onde foi campeão por duas vezes ao serviço do submarino amarelo, com um orçamento bem inferior ao do Bayern de Munique.
O objetivo passou por construir uma equipa dominante a longo prazo, contratando de forma inteligente, de forma a reforçar todos os setores com qualidade. Pelo meio, o técnico incutiu as ideias ao plantel e construiu um conjunto capaz de vencer a qualquer equipa. Os jogadores do Liverpool adaptam a sua maneira de jogar em função do que o treinador pretende e beneficiam-se mutuamente com essa conexão.
A realidade é que o trabalho fora de campo tem uma importância extrema e tanto a equipa técnica, como o diretor desportivo Michael Edwards, ou o diretor de comunicação, Joe Quester, entre outros, colaboram para bom porto do clube, no entanto, há um nome que poucos ouviram falar (nem mesmo parte dos adeptos do Liverpool) até há cerca de um ano - Ian Graham.
Ian Graham é o diretor de recrutamento do Liverpool desde 2012 e exerce funções nos escritórios de Anfield, sem grande reconhecimento à sua volta. É um galês, fã da equipa desde tenra idade, responsável pelo recrutamento da equipa e que assume um papel relevante no trabalho de scouting.
Através de uma recente entrevista ao podcast Freakonomics Radio, onde explica o seu cargo no Liverpool, o seu nome tornou-se conhecido de alguns e, desde aí, as pesquisas na internet sobre o segredo mais bem guardado do clube aumentaram.
Veja as declarações mais valiosas de Ian Graham
"O meu papel é a análise de dados para analisar o futebol e o tipo de jogadores que eu realmente gosto são jogadores que brilham nos dados, mas não brilham naturalmente para o típico adepto de futebol ou para o típico olheiro. Um dos meus jogadores favoritos é Andy Robertson, o nosso lateral esquerdo, um dos melhores da Europa e agora campeão europeu."
"O problema do Robertson era principalmente o seu passado. Ele só começou a jogar na Premier League aos 22 anos, no Hull City, que não era uma equipa de futebol com grande qualidade. Desceram de divisão e ele foi o melhor lateral esquerdo da liga nessa época. Ele era um caso realmente estranho por ser um lateral puramente ofensivo, a jogar numa equipa defensiva muito pobre."
A realidade é que o Liverpool realizou contratações sonantes, mas há jogadores contratados que não tinham tanto reconhecimento na altura e Klopp desenvolveu-os para um nível de classe mundial. Grande exemplo disso é o caso do próprio Andrew Robertson, contratado ao Hull City, ou Georginio Wijnaldum, ao Newcastle. Atualmente, são dos melhores nas suas posições, graças à integração na equipa, incutindo as ideias e acompanhando o jogador ao máximo.
No futebol geralmente utiliza-se a estatística dos "Expected Goals" e "Expected Assists", que são os golos ou assistências esperados em cada partida por parte de uma equipa ou jogador, calculados através de parâmetros analisados durante o jogo de futebol. Qualquer pessoa pode utilizar esses dados se conseguir o acesso, mas o Liverpool mantém-se à frente do jogo analítico por ter criado as suas próprias métricas personalizadas.
O Liverpool baseia-se no "Goal Probability Added", que está relacionado com a probabilidade de quando pode ocorrer o golo nos diferentes momentos do jogo. Ian Graham explica que o mais importante no futebol são os golos, e são eles que definem a vitória de uma equipa, logo, tudo o que o jogador faz em campo tem de ser estudado, seja um remate, um passe, uma finta ou uma arrancada, e depois tem de se questionar qual era a probabilidade de ser golo antes de o jogador ter realizado uma ação e depois de a ter concretizado.
Ian Graham foca o risco no passe como a estatística mais elucidativa dessa probabilidade. Isto porque na maior parte dos casos, os jogadores com a melhor qualidade de passe são os que têm a menor percentagem de acerto.
"É muito fácil deturpar as estatísticas, e obter uma alta taxa de acerto de passe, se estes forem conservadores e não fizerem nada para aumentar as chances da equipa marcar. Os passes que eu realmente amo são os que vão para trás da defesa adversária, que tiram quatro ou cinco defesas do caminho; esses passes são realmente difíceis de fazer, mas alguém que conseguir metade deles é um médio de classe mundial".
A verdade é que os dois jogadores do Liverpool com a menor percentagem nesse campo são Mohamed Salah e Trent Alexander-Arnold, no entanto, têm um papel fulcral na progressão de bola da equipa, por serem dos jogadores que mais chances criam e mais arriscam no último passe. Especialmente Arnold, que é um lateral direito e é dos jogadores mais rentáveis no processo ofensivo. O Liverpool sendo uma equipa tão objetiva e pragmática, gosta de arriscar em passes decisivos porque se colocar um jogador em situação frontal à baliza, vai ter maior probabilidade de marcar golo. É aqui que se liga o risco à recompensa, uma estatística facilmente distorcida no futebol.
"Se encontrarmos um jogador e pudermos pagar o preço que o clube de venda exige, podemos comprá-lo. O verdadeiro poder da análise de dados é quando o conjunto de dados é grande. Temos dados detalhados sobre centenas de milhares de jogadores, talvez apenas 5% deles estejam perto de um jogador da Premier League, mas ainda assim são 5.000 jogadores, o que é demasiado para ser explorado em profundidade e com pormenor, pelo que podemos realmente ajudar nesse processo de filtragem e identificação".
A análise de scouting do Liverpool consegue-se superiorizar às outras, porque existe por exemplo o caso do Manchester United, que tinha uma base de dados de 15.000 jogadores para realizar apenas três transferências num determinado defeso, o que leva a demasiado tempo perdido com jogadores com pouca capacidade para o nível de um clube com aspirações de Liga dos Campeões.
O analista de dados reconhece a personalidade especial de Jurgen Klopp, que também foi fundamental para que isto desse resultado: "A análise é algo de novo num desporto muito conservador. É algo difícil de entender e seria muito compreensível para um treinador que tem cem outras coisas com que se preocupar, dizer apenas que não estava muito interessado nisso, mas Jurgen teve a gentileza de me deixar explicar a nossa abordagem. Ele entendeu e apreciou, o que já o coloca no top 5% de treinadores do mundo na minha opinião", explicou ao Freakonomics Ian Graham.
É evidente que o treino tem uma importância extrema e a qualidade dos jogadores também, logo tem de se dar grande parte do mérito a Jurgen Klopp. No entanto, o scouting e o estudo dos dados tem uma influência direta nesse aspeto e muito possivelmente descobrem-se e potencializam-se jogadores de qualidade através desses sistemas e melhoram-se vários processos dentro de campo a partir deles. Muitas vezes há fatores que estão por detrás do sucesso de uma organização desportiva e a equipa liderada por Ian Graham é um desses casos a reconhecer.