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Para o presidente da Ryanair, o único problema que entrava a instalação de um aeroporto no Montijo resolve-se com duas shotguns. Uma declaração lamentável, que apenas pode ser tolerada se for acolhida como uma brincadeira de mau gosto. As declarações de Michael O"Leary valem o que valem. Para já é dono da companhia de aviação, não manda ainda em Portugal. Graves, sim, são as declarações de vários membros do Governo, a começar pelo primeiro-ministro, ao defenderem a solução Montijo como a que melhor cumpre a missão de descongestionar o Aeroporto da Portela [Humberto Delgado]. Mais uma vez se começa pelo telhado. Decide-se o local e depois adapta-se, nem que para isso seja preciso pedir a caçadeira emprestada ao irlandês que colocou Portugal a faturar no turismo.
O Governo decidiu a localização do novo aeroporto sem conhecer os resultados do estudo de impacto ambiental, o que nos leva a desconfiar que ali, como noutros locais, estaremos apenas perante uma mera formalidade. E nos faz temer que, sejam quais forem os resultados, encontrará medidas para mitigar e levar avante a decisão tomada a priori. António Costa, é verdade, reconhece o facto de a localização, na margem sul do Tejo, em área de migração de dezenas de espécies de aves, poder condicionar a escolha desse local. Pedro Parques, o ministro do Planeamento e Infraestruturas, no entanto, diz não existir qualquer plano B em relação ao Montijo. Mas deveria haver.
Não se trata apenas de proteger dezenas de espécies de aves migratórias que no estuário do Tejo encontram porto de abrigo. Classificado como reserva natural desde 1976, seria de esperar do Estado, pelo menos, um olhar diferente sobre esse território, como exige a própria classificação. Enfim, talvez seja esperar muito. Não será agora que Portugal trocará o betão pelos pássaros - mais a mais numa altura em que a contenção financeira dita as suas regras.
Esqueçamos a proteção das aves migratórias. O que está, afinal, verdadeiramente em causa é a segurança das aterragens e descolagens dos voos no futuro aeroporto do Montijo: o risco de colisão com as aves é real. Esperamos não ter na margem sul do Tejo a sequela do "Milagre do rio Hudson", o filme que retrata a manobra de um piloto obrigado a amarar no rio depois de ter perdido dois motores após a colisão com gansos.
* EDITORA-EXECUTIVA-ADJUNTA