Autor cimeiro do seu tempo, Guerra Junqueiro continua a ser incompreendido, considera o investigador Henrique Manuel Pereira. “Muitas das páginas que escreveu têm um valor universal", confessa ao JN.
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Poucos escritores foram tão louvados em vida como Guerra Junqueiro. Mas também na hora da morte, ocorrida há precisamente um século: o seu funeral foi uma impressionante manifestação de apreço popular por uma figura que transcendeu em muito a esfera literária, ao embrenhar-se nas principais causas do seu tempo.
O que resta hoje desse gigantesco legado poético, social e até político é matéria que suscita divisão. Henrique Manuel Pereira, um dos mais destacados investigadores da obra do autor de “Os simples”, lamenta que “as questiúnculas políticas e até religiosas” continuem a atrapalhar uma análise mais ampla, liberta de dogmas, sobre o alcance do seu trabalho. “É preciso libertá-lo de vários mitos, que cristalizaram e distorceram o autêntico Guerra Junqueiro”, afirma o coordenador do Projeto Revisitar/Descobrir Guerra Junqueiro.
Embora os seus restos mortais estejam no Panteão Nacional, o ocaso da obra é indesmentível. Praticamente afastados dos currículos escolares, muitos dos seus livros estão também esgotados ou indisponíveis, com a agravante de algumas das edições estarem pejadas de gralhas e erros.
Também no plano da investigação académica, há trabalho por fazer. Com duas décadas dedicadas ao estudo da obra do autor de “A velhice do padre eterno”, Alves Pereira diz “procurar atrair novos investigadores” para a causa. O fascínio é garantido, defende: “Muitas das páginas que escreveu têm um valor universal. É um poeta excessivo com uma vibração original”.
Do livro ao congresso
Figura plural do seu tempo, Junqueiro revela também atributos capazes de atraírem os leitores de hoje. Esse é o propósito maior do curso breve de iniciação à sua obra, que tem decorrido ao longo dos últimos dias na Biblioteca Almeida Garrett.
Para que os seus escritos cheguem a novos leitores, há várias atividades previstas: em outubro, entre os dias 12 e 20, a Universidade Católica promove o congresso internacional “Memórias de um século”, em Lisboa Porto e Coimbra; com a chancela da Húmus, Henrique Alves Pereira vai lançar em breve a obra “Paisagens junqueirianas”.
Às novidades não escapa a Casa-Museu Guerra Junqueiro, no Porto, que está a preparar a remodelação completa de duas das salas do amplo edifício.
Porto e Freixo de Espada à Cinta atentos
O centenário da morte de Guerra Junqueiro não passa à margem dos municípios de Freixo de Espada à Cinta, de onde o escritor é natural, e do Porto, cidade na qual existe uma casa-museu que dá ênfase à sua dimensão de colecionador.
Esta sexta-feira, às 14.30 horas, no átrio da Câmara do Porto, vai ser lançada “Imagens da palavra”, uma edição inédita que recupera a colaboração do poeta com os artistas António Carneiro e Teixeira Lopes.
Segue-se um debate em que participam o coordenador da edição, Henrique Alves Pereira, o crítico de arte e ensaísta Bernardo Pinto de Almeida e a diretora regional de Cultura do Norte, Laura Castro.
À noite, na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, vai ter lugar o concerto “Canções para Junqueiro”, em que serão musicados perto de 20 poemas do autor de “Oração à luz”.
No concelho de origem de Guerra Junqueiro, a autarquia promove a partir desta sexta-feira um conjunto amplo de iniciativas, desde um encontro cultural entre países da lusofonia – com autores como o moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, a são-tomense Conceição Lima e o brasileiro Ronaldo Correia de Brito –, um Postal Inteiro da República ou um prémio literário dirigido para novos talentos.