Nuno Cardoso encena no Porto “O pelicano”, uma das peças de câmara do autor sueco. Estreia esta quinta-feira e fica em cena no Teatro São João até ao dia 8 de dezembro.
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“Há em Strindberg um retrato da família bem diferente da visão corrente: há distanciamento e crueldade – ela é vista como máquina trituradora da alma”. Foi essa crueldade que atraiu Nuno Cardoso para a encenação de “O pelicano”, última produção do ano do Teatro Nacional São João, no Porto.
Opus 4 do conjunto de peças de câmara que August Strindberg (1849-1912) escreveu para o seu Teatro Íntimo em Estocolmo – sendo as restantes “A tempestade”, “Casa queimada” e “Sonata dos espetros” –, “O pelicano”, estreado em 1907, segue as linhas gerais desta dramaturgia que Strindberg definiu como “íntima na forma, restrita no assunto, tratada com profundidade, com poucas personagens, pontos de vista abrangentes, imaginação livre, mas baseada na observação, na experiência, num cuidadoso estudo. Simples, mas não demasiado simples. Sem aparato, sem papéis supérfluos”.
Na visão de Cardoso, que apresenta em palco uma sala burguesa estilizada, com lareira e ‘chaise longue’, e chama o elenco residente do São João (Joana Carvalho, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho e Pedro Frias), “o texto é rude na sua carpintaria” e o desafio foi criar “uma peça bem feita”. A opção de “explodir a sala” funciona como contínuo às implosões de cada uma das figuras de “O pelicano”.
O “assunto restrito” de Strindberg é o que acontece a uma família quando morre o pai – fantasma que vai pairando, presencialmente ou em vídeo, na pele de Jorge Mota: eco de outra encenação de Cardoso, “Espetros”, de Ibsen, em que o fantasma do Capitão Alving era interpretado por Rodrigo Santos; ambas as peças se encontram na mesma “linha de reflexão”, diz o encenador.
Com a morte do patriarca caem as máscaras ao resto da família – que se torna “espelho onde os defeitos se confessam” e “cárcere de todas as nossas imperfeições”.
Câmara de tortura alimentada pela acrimónia e ressentimento de “personagens irrecuperáveis”, a peça segue outra regra de ouro do teatro íntimo – não dura muito.