A morte de Alexei Navalny, o mais proeminente opositor de Putin na última década, agita de novo os fantasmas dos desaparecimentos suspeitos de pessoas "incómodas" para o líder russo ou para a estrutura do Kremlin, a cúpula política da Rússia.
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As autoridades russas anunciaram a morte de Alexei Navalny, o empresário que desafiou Vladimir Putin nas eleições de 2018 e que quase morreu envenenado um ano depois, durante uma viagem de avião para a Sibéria. Morreu numa prisão naquela região russa, longamente associada a comportamentos punitivos e que durante anos acolheu os desterrados e os amaldiçoados da grande pátria russa.
A morte de Navalny, cujas verdadeiras razões provavelmente nunca serão conhecidas, foi revelada num comunicado da prisão de Yamalo, onde cumpria pena por extremismo. O anúncio do falecimento é uma "confissão de homicídio", disse o porta-voz do opositor russo, Leonid Volkov.
O óbito de Navalny ocorre menos de seis meses após o falecimento do líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin. O homem que ficou conhecido como o "chef" de Putin, pelas ligações que estabeleceu com o líder russo ao tempo em que tinha uma empresa que fornecia refeições escolares na Rússia, morreu num acidente de avião a 24 de agosto de 2023, dois meses depois de ser rebelado contra o Kremlin, numa manobra ousada para contestar a fala de apoio institucional aos mercenários que defendiam a Rússia, a 23 de junho. Depois de assustar o Kremlin, os paramilitares recuaram e exilaram-se na Bielorrússia. Muitos anunciaram o alistamento no Exército russo, como pretendiam as altas patentes militares.
A ligação chechena às mortes de jornalista e antigo vice-primeiro-ministro
As mortes de Navalny e Prigozhin encontram paralelo, em termos de mediatismo, com o assassinato de Boris Nemtsov, um antigo vice-primeiro-ministro do presidente de Boris Ieltsin e que se tornou num opositor visível de Vladimir Putin. Numa noite de fevereiro de 2015, foi morto a tiro numa ponte perto do Kremlin, enquanto caminhava com a namorada. Cinco homens da região russa da Chechénia foram condenados a penas de prisão, que chegaram aos 20 anos para o atirador.
Foi também um assassino com origens na Chechénia a ser responsabilizado pela morte da jornalista Anna Politkovskaya, baleada no elevador do prédio de casa em Moscovo, a 7 de outubro de 2006. Reconhecida internacionalmente pelas reportagens sobre as violações do direitos humanos de chechenos, trabalhava para o “Novaya Gazeta”, jornal do Nobel da Paz de 2021, Dmitri Muratov.
Um mês depois, o desertor russo Alexander Litvinenko morreu vítima de envenenamento, em Londres, no reino Unido, onde estava a viver depois de deixar a Rússia. Terá bebido chá com uma substancia radioativa, o polónio-210, morrendo três semanas depois a 24 de novembro. Ex-agente do KGB, e depois do FSB, a versão mais moderna dos serviços de espionagem russos, estaria a investigar a morte de Politkovskaya e alegadas ligações dos serviços de informações russos ao crime organizado. Um inquérito dos serviços britânicos concluiu que foi envenenado por agentes russos, provavelmente a mando de Putin, mas o Kremlin negou sempre as acusações.
Dezenas de mortes suspeitas nos reinados de Putin
As mortes de Nemtsov, Litvinenko, Politkovskaya e Yuri Shchekochikhin, repórter da Novaya Gazeta que morreu de uma doença súbita e violenta em 2003, que os amigos dizem ter sido por envenenamento, fazem parte de uma longa lista de assassinatos ou desaparecimentos misteriosos de empresários, funcionários superiores do Estado, adidos políticos ou militares russos desde que Putin subiu ao poder como presidente pela primeira vez, em maio de 2000.
Segundo contas do “New York Post”, só entre 2014 e 2017 morreram 38 russos proeminentes em circunstâncias estranhas ou por esclarecer. Mas poucos anos foram tão fatídicos para figuras russas da órbita do Kremlin como o de 2022, nos dias que se seguiram à invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro.
A primeira das várias mortes suspeitas, de políticos, altos funcionários do estado ou oligarcas, ocorreu quatro dias depois da invasão. A 28 de fevereiro, Mikahail Watford, um magnata do petróleo e do gás nascido na Ucrânia, foi encontra morto em casa, no Surrey, em Inglaterra. A polícia considerou a morte "inexplicável". Um amigo da família disse que o "estado de espírito de Mikhail", de 65 anos, "pode ter sido afetado pela situação na Ucrânia".
A 19 de abril do mesmo ano, aconteceu um dos casos mais chocantes: Vladislav Avayev, um ex-oficial do Kremlin, ter-se-á suicidado depois de, aparentemente, ter esfaqueado a mulher, Yelena, de 47 anos, e a filha, de 13. O multimilionário russo, de 51 anos, que tinha sido ministro do Kremlin e vice-presidente do Gazprombank, era considerado próximo de Putin.
Poucos dias depois, o multimilionário Sergey Protosenya, 55 anos, foi encontrado enforcado em Espanha. Diretor executivo da segunda maior empresa de gás da Rússia, a Novatek, alegadamente matou a mulher, Natalia, de 53 anos, e a filha adolescente com um machado, no jardim de uma mansão em Lloret del Mar, em Espanha.
Ivan Pechorin, de 39 anos, era diretor geral da Corporação para o Desenvolvimento do Ártico (CDA) e caiu do barco nas águas ao largo da ilha de Russky, perto do Cabo Ignatiev, a 22 de setembro de 2022, revelou a agência de notícias russa Pravda. Estaria alcoolizado.
Pechorin esteve no cargo cerca de sete meses. Tinha sido nomeado diretor-geral da CDA em fevereiro, após morte do anterior CEO, Igor Nosov, de 43 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).
Setembro negro para russos proeminentes
O mês de setembro de 2022 foi particularmente difícil para russos próximos do poder, tendo começado com a notícia da morte de Ravil Maganov, de 67 anos, que alegadamente caiu de uma janela do sexto andar de um hospital em Moscovo. O magnata, presidente da Lukoil, a segunda maior petrolífera russa, tinha manifestado oposição à invasão da Ucrânia. Segundo um relatório divulgado pela imprensa mundial, teria sido espancado antes da queda.
No mesmo mês, Anatoly Gerashchenko, ex-diretor do Instituto de Aviação de Moscovo (IAM), caiu pelas escadas no local de trabalho. "A 21 de setembro, Anatoly Nikolaevich Gerashchenko morreu em resultado de um acidente", informou aquele Instituto, em comunicado. "É uma perda enorme para o IAM e para comunidade científica e pedagógica", lia-se no documento, citado pela imprensa britânica.
Uma escadaria foi também fatal para Dmitry Zelenov, que caiu após um jantar com amigos num restaurante em Antibes, na Riviera francesa, em dezembro de 2022. O magnata da construção, de 50 anos, ainda foi levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
O ano mais fatídico não terminaria sem mais uma morte suspeita. Pavel Antov, um crítico da guerra na Ucrânia, morreu após uma queda do terceiro andar de um prédio na Índia. Membro do partido pro-Putin Rússia Unida, era considerado o “político mais bem pago” do Kremlin e tinha criticado abertamente a guerra. Pediu desculpa entretanto, dizendo que tinha sido um “infeliz mal-entendido”.
As infelicidades bateram forte, também, à porta da Gazprom. Alexander Tyulakov, de 61 anos, um quadro de topo da empresa estatal de gás russa, foi encontrado enforcado pela amante no dia seguinte à invasão da Ucrânia, numa casa de luxo em São Petersburgo.