“A luta continua nas empresas e na rua”. Manifestação por melhores salários junta milhares em Lisboa
Milhares de trabalhadores e reformados de Lisboa e do Sul do país saíram à rua na capital para exigir um aumento geral dos salários e das pensões e em defesa dos serviços públicos.
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Num protesto pacífico que juntou várias gerações, a tónica esteve nos baixos salários que não acompanham o aumento do custo de vida e do peso da habitação sobre os rendimentos. Mas houve também quem denunciasse não ver as condições de trabalho a melhorar ao passo que as empresas lucram.
Gritaram palavras de ordem como "A luta continua nas empresas e na rua" e "Precariedade não, estabilidade sim". Foi assim que mais de dois mil trabalhadores de vários setores quer públicos quer privados e reformados arrancaram a manifestação, convocada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP) em Lisboa, durante a tarde deste sábado, por mudanças que garantam "uma vida mais estável" e "justa". Algumas das mesmas mensagens também se fizeram ouvir esta manhã no Porto, num protesto que juntou centenas de trabalhadores do Norte e do Centro do país.
Para assegurar a participação de quem trabalha ao fim de semana, foram emitidos vários pré-avisos de greve nos setores do comércio, escritórios, indústria e hotelaria. Natália Matos estaria a trabalhar hoje, mas aderiu à greve para se manifestar na rua. Trabalha há 16 anos num Pingo Doce em Odivelas. "Estamos a trabalhar cada vez mais porque estamos o fazer o trabalho por três ou quatro colegas, e a tendência é para piorar", lamenta. A lojista de 58 anos admite estar cansada de "mendigarem tostões", defendendo um "verdadeiro aumento dos salários" que acompanhe o aumento do custo de vida.
Trabalhadores do comércio exigem redução de horários
"Pela redução dos tempos de funcionamento às 22 horas e o encerramento aos domingos e feriados", pode ler-se numa faixa que Cátia Carvalho, trabalhadora numa loja da multinacional Zara. Esta é uma das principais reivindicações trazidas pelas centenas de trabalhadores do setor do comércio presentes no protesto. "Faz todo o sentido, e vimos pelo tempo dos confinamentos da covid que nenhuma empresa foi à falência, pelo contrário, as vendas online aumentaram todas. Acho que não é por aí que vão sofrer algum prejuízo. E nós ganharíamos qualidade de vida, principalmente quem tem filhos", referiu. Embora "não seja das que pior paga", a lojista de 43 anos crê que "para os lucros que a empresa tem" tinha "todo o potencial" para melhorar as condições dos seus trabalhadores.
A marcha a passo lento, que arrancou às 15 horas do Cais do Sodré, com destino à Praça dos Restauradores, faz-se ouvir durante cerca de duas horas no centro da capital. Vários manifestantes pintaram as ruas lisboetas com balões azuis e vermelhos com as principais reivindicações: "35 horas", "subida dos salários" e "tempo para viver". Mais à frente na marcha, Hugo Almeida foi distribuindo panfletos do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Comércio de Carnes do Sul, junto de colegas que trabalham desde Lisboa até ao Algarve.
Quando começou a trabalhar aos 14 anos num talho, Hugo Almeida recorda "uma área atrativa" e "bem remunerada", mas a situação tem vindo a degradar-se. "Hoje, temos vários contratos coletivos, como os dos supermercados, dos aviários, dos talhos e das fábricas. Mas as empresas querem pagar o salário mínimo. É uma situação geral aqui? É geral em várias áreas". O trabalhador defende que é preciso fazer acompanhar os salários dos anos de experiência.
Entre os manifestantes encontravam-se vários jovens. Paula Brandão trabalha há meio ano na copa de um restaurante no centro de Lisboa. "Tem sido uma experiência muito forte. Poderia dar uma melhorada no salário e na carga horária também poderia dar uma melhorada". A jovem trabalhadora de 26 anos e outros colegas, desde empregados de mesa a chefes de cozinha, que também fizeram greve, gritam palavras de ordem com bandeiras na mão do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurante e Similares, com "fé" de que se abra caminho para negociar melhorias com a entidade patronal.
Melhores pensões no futuro
É para que jovens como a Paula possam receber "melhores pensões no futuro" que Fátima Tavares decidiu participar na manifestação. A reformada de 79 anos diz que não se pode "queixar muito" porque o que descontou durante os 42 anos de carreira como administrativa num laboratório farmacêutico permite-a ter uma reforma desafogada. Mas não é por isso que deixa de estar na luta com outros camaradas da Inter-reformados de Lisboa. "Queremos um aumento das pensões que reponha o poder de compra perdido nestes últimos anos".
Ainda antes da marcha arrancar, o secretário-geral da CGTP lembrou que 2,7 milhões de trabalhadores não recebem mil euros de salário bruto por mês. O que auferem não acompanha os aumentos da prestação das casas, apontou em declarações aos jornalistas, criticando os "enormes lucros da banca" devido à especulação. Para Tiago Oliveira, a manifestação serve de alerta para o Governo perceber aquela que é "a dificuldade da grande maioria da população": chegar ao fim do mês e "ter de optar entre pagar a casa ou pôr comida na mesa".
"Estamos perante um Governo que não está, de facto, a responder àqueles que são a maioria", defendeu Tiago Oliveira. A central sindical estará "muito atenta" à discussão do Orçamento do Estado para 2025, bem como o posicionamento dos partidos na votação final que deverá decorrer no final deste mês, mas, para o dirigente da CGTP, não há dúvidas de que as políticas que forem aprovadas "terão um impacto muito negativo na vida dos trabalhadores".