Segundo dia do Indie Music Fest, em Baltar, Paredes, já com os dois palcos a funcionar.
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Fim de tarde no segundo dia do Indie Music Fest, em Baltar, Paredes. O sol foi-se despedindo aos poucos, tingindo o céu de um laranja débil, recolhendo as vozes de Garajau. Inauguram o Palco Antena 3 com uma pop delicada, irresistivelmente pegajosa: "Funcionário do mês" não é apenas um título - ressoa como confidência, como sorriso cúmplice antes ainda de a música começar. E soa bem - soa a cumplicidade, a leve confissão de quem se atreve a existir. Escuta-se também a história que talvez exista: ele, tímido, mas firme, encontra a coragem de perguntar se ela quer vir jantar. Toda a cena se torna cinematográfica - a canção, banda sonora de um reencontro.
Foto: Carlos Carneiro
Logo depois, no palco Super Bock - mais íntimo, quase segredo - sobe Gorjão, ladeado por uma banda que o sustenta e o embala. A voz, clara, parece carregar segredos com ela. Canta: "Toda a vida é sorte". E, por uns minutos, a sorte parece possível, palpável. As influências 1960-1970 pairam entre acordes e palavras, como fantasmas sensuais que nos devolveram ao chão que pisamos. Quando entoa "Ninguém está pior do que eu", o pior transforma-se em música, em alívio, em partilha. Ao fundo, um pôr do sol estende-se como promessa: o mar é sempre mais bonito ao entardecer, e aquele instante parecia contido num quadro que nos desviava a respiração.
Foto: Carlos Carneiro
Mais tarde, surge Jay Mezo e o seu hip hop. Quase sem avisar, abre o coração ao microfone: a música foi o remendo para o coração partido, as suas notas foram cola de cicatrizes invisíveis. Canta com a entrega de quem agora se oferece inteiro, despido de defesas. E é impossível não sentir que estamos diante de uma nudez emocional.
E chega então OCENPSIEA: um nome que desperta curiosidade antes mesmo do primeiro compasso. Este projeto explora novas sonoridades através de uma fusão de sons acústicos e eletrónicos, navegando entre grooves do jazz e do hip hop, explorando planos tonais e modais. Ao vivo, são uma formação flexível, que se reinventa em cada espetáculo, tornando cada concerto uma descoberta única. No fundo de cena têm escrito Palestina Livre.
No palco que os acolheu, OCENPSIEA estendeu um tapete sonoro que flutua entre o minimalismo acústico e a eletrónica pulsante. Cada batida parecia perguntar: e se a música pudesse redesenhar fronteiras? Havia jazz nas linhas de baixo, batidas hip hop nos gestos rítmicos, texturas modais que abriam lacunas e suspensões. Entre as melodias, ecoavam fragmentos que misturavam funk eletrónico, viola braguesa, rap e cantos tradicionais. Uma fusão ousada de local e global, ancestral e contemporâneo, que unia o digital e o corpo numa só vibração.
Foto: Carlos Carneiro
E nessa tarde, naquele palco, OCENPSIEA não era apenas banda; era paisagem sonora germinando à nossa volta. Cada groove incubava memórias - um ritmo jazzy fazia dançar pensamentos, um acorde modal abria janelas para o íntimo, uma pulsação eletrónica fazia o coração reajustar-se. Havia uma vontade clara de reinventar raízes, de traduzir história em pulsos modernos.
Vitória Vermelho e a sua pop delicodoce comprovam que a música indie se recomenda, em temas como "Always".
Foto: Carlos Carneiro
Ao cair da noite, toda aquela sequência de concertos - Garajau, Gorjão, Jay Mezo e OCENPSIEA - converteu-se numa narrativa fragmentada, pulsante, quase um sonho de verão. Cada um trouxe um tipo de coragem: Garajau abriu espaço para os gestos tímidos ganharem luz; Gorjão lembrou que é possível sentir beleza na sorte suspensa; Jay Mezo partilhou a dor que virou canção; OCENPSIEA rasgou horizontes entre o jazzy, o urbano, o ancestral.
No fim, ficou a certeza de que a música portuguesa vai bem.