Leonardo Padura escreve sobre a capital cubana num relato tão dorido quanto apaixonante.
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Se há escritores indissociáveis de um lugar, prolongamentos humanos de uma cidade, Leonardo Padura é seguramente um deles.
Toda a sua obra é uma deambulação infatigável por Havana, calcorreada de forma febril pela sua personagem maior que dá pelo nome de Mario Conde, um policial atormentado cuja santíssima trindade é constituída por Hemingway, jazz e whisky.
“Ir a Havana” representa, todavia, um capítulo à parte na obra do premiado escritor. Enquanto, nos livros anteriores, a capital cubana é o cenário omnipresente em narrativas polvilhadas de mistério, reflexão e humor, neste livro a cidade não cede o papel de protagonista absoluta.
A memória e o engenho são convocados por Padura em capítulos curtos que têm o condão de nos transportar para a urbe de outras eras, sucessivamente reinventada ao longo dos séculos. De fortaleza militar à apelativa cidade que irradiava um glamour sem par nas Américas, ao ponto de ter ganho o cognome de Nice, o romancista cruza o destino da cidade com as suas recordações de infância, conferindo um colorido suplementar a estes escritos.
Os breves excertos de romances do autor, contendo descrições da cidade, vão polvilhando este relato e contribuem para que “Ir a Havana” seja uma obra multidimensional, a que podemos aceder sob diferentes perspetivas, consoante o nosso gosto.
O tom crítico face ao ocaso de Havana nas últimas décadas ocupa uma parte substancial do livro, indiferente às conhecidas limitações da liberdade de expressão há muito associadas ao regime cubano. No lugar da “urbe sumptuosa e coquete”, a lenta agonia manifesta-se sob a forma de edifícios em ruína ou simplesmente abandonados, a par de um êxodo humano tão ou mais significativo ainda.
O organismo vivo que são as cidades, como muitos autores defendem, significa que estas também podem adoecer, como qualquer mortal. Para o autor de “Como poeira ao vento“, a “depressão, desídia e deterioração moral” são as marcas principais do atual estado anímico da outrora fervilhante cidade, que vem mirrando na exata medida da indiferença de quem deveria zelar pela sua preservação.