Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em primeiro nas eleições estaduais da Turíngia (primeira vitória da extrema-direita desde o fim do regime nazi) e em segundo na Saxónia. Resultados catastróficos para a coligação no poder em Berlim, com sociais-democratas, verdes e liberais a somarem pouco mais de dez pontos.
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As previsões confirmaram-se: pela primeira vez desde o fim do regime nazi, a extrema-direita venceu umas eleições estaduais na Alemanha, à boleia de uma retórica anti-imigração abrasiva. À Esquerda e à Direita, ouvem-se apelos para que se mantenha o “cordão sanitário”, mas já há deputados da CDU (democratas-cristãos de centro-direita) que admitem negociar com a Alternativa para a Alemanha (AfD). Para a “coligação semáforo” que junta sociais-democratas, verdes e liberais no Governo federal, a noite eleitoral foi catastrófica: juntos, somaram pouco mais de 10 pontos percentuais, tanto na Turíngia, como na Saxónia.
Quando falta apenas um ano para as eleições nacionais, os resultados deste domingo nos dois estados do Leste do país, que fizeram parte da antiga República Democrática Alemã (um regime comunista que colapsou em 1989), parecem ser o prenúncio do fim da coligação centrista. SPD (sociais-democratas), FDP (liberais) e Verdes (ecologistas) têm protagonizado querelas permanentes e são frequentemente acusados de serem incapazes de governar.
Chanceler desfasado da realidade
Olaf Scholz reconheceu que os resultados foram “amargos”, mas, mais do que uma autocrítica, apontou à AfD: “está a prejudicar a Alemanha, está a enfraquecer a economia, a dividir a sociedade e a arruinar a reputação do nosso país”. Tendo em conta os resultados, o chanceler social-democrata parece desfasado da realidade. E é certo que os eleitores não partilham desse diagnóstico. Se houvesse hoje eleições federais, os partidos da coligação ficariam reduzidos a pouco mais de 30 pontos, com o risco real de os liberais não conseguirem sequer chegar ao Bundestag (não atingiriam a barreira dos 5% de intenções de voto).
Se, no estado da Saxónia os partidos tradicionais conseguiram evitar a derrota (a CDU conseguiu mais um ponto percentual do que a AfD), na Turíngia os extremistas de direita conseguiram, não só a vitória, como uma vantagem de quase dez pontos sobre o centro-direita. Recorde-se que o ramo do partido neste estado é classificado pelas autoridades alemãs como uma organização extremista que pretende minar a democracia. E que o seu líder, Bjoern Hoecke, já foi condenado duas vezes, este ano, por usar retórica nazi (o que a lei alemã expressamente proíbe).
Política da Pipi das Meias Altas falhou
Dir-se-á que, com semelhante currículo, a AfD continuará afastada do poder. Mas, a verdade é que há sinais de que o “cordão sanitário” pode ser rompido. Vários deputados eleitos pela CDU nestas eleições já vieram defender que haja conversações com a extrema-direita. Martina Schweinsburg argumenta que “a política da Pipi das Meias Altas falhou”.
Explicando melhor, mas mantendo o registo, a deputada eleita pela CDU acrescenta que “a ideia de que a AfD é uma criança má, com quem não é permitido brincar, fracassou”. O líder do seu partido na Turíngia, não parece partilhar da analogia. Sem ser definitivo, Mario Voigt indicou que a sua preferência vai, em primeiro lugar, para conversações com um parceiro habitual, os sociais-democratas do SPD, e para a nova formação política BSW.
Populistas de Esquerda fundamentais
E esta é outra das novidades da política alemã saída destas eleições. Há um novo partido, formado em janeiro deste ano, que conseguiu o terceiro lugar, tanto na Saxónia (11,8%), como na Turíngia (15,8%). A Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) é fundamental, em ambos os casos, para que seja possível formar governo sem a intromissão dos extremistas de direita. Sucede que este partido da esquerda populista, ou, como a fundadora e líder gosta de dizer, “conservadora de esquerda”, tem uma linha vermelha que já definiu: só fará parte de uma solução se os governos estaduais recusarem a instalação de mísseis americanos de médio alcance no país. Uma exigência em linha com as suas posições contra o apoio militar à Ucrânia e às negociações com a Rússia de Putin.
A outra linha política que caracteriza Sahra Wagenknecht, a retórica anti-imigração (“já não cabem mais”), não será um problema. Esse tornou-se o tema central de qualquer campanha eleitoral alemã. E até a atual coligação de Governo tentou, na sequência do ataque terrorista em Solingen (um sírio a quem foi negado asilo político matou três pessoas à facada), comprometer-se com uma política de asilo e de acolhimento de refugiados mais restritiva, e chegando ao ponto de, a poucos dias das eleições, expulsar 28 afegãos requerentes de asilo. Demasiado tarde, como se confirmou entretanto.
Tome Nota
Coligações na Turíngia. No Parlamento da Turíngia são necessários 45 deputados para formar uma maioria (ao todo, têm assento 88). A extrema-direita conseguiu 32 e a CDU (centro-direita) apenas 23. Para conseguir governar, os democratas-cristãos terão de juntar os sociais-democratas (seis deputados) e os populistas de esquerda (15 eleitos) numa coligação.
Coligações na Saxónia. Na Saxónia foi a CDU que venceu, elegendo 41 dos 120 deputados (a AfD terá 40). Mas já não é suficiente, como até aqui, uma coligação com os sociais-democratas e os Verdes. Para chegar à marca dos 61 deputados e à maioria terá de negociar com os populistas de esquerda (15 deputados) ou com o Die Linke (A Esquerda), com seis eleitos.
Barreira de 5%... mas nem sempre. Nas eleições estaduais e federais alemãs é necessário obter pelo menos 5% dos votos para se conseguir eleger deputados para os parlamentos. Mas, como o sistema eleitoral alemão é misto (círculos uninominais e lista), é possível chegar ao parlamento, mesmo ficando abaixo dessa barreira. Foi o que aconteceu com o Die Linke (A Esquerda) na Saxónia: elegeu dois deputados nos círculos uninominais e isso deu-lhe direito a entrada na lista proporcional, chegando a seis deputados.
Anuncia-se mais uma vitória da AfD. Dentro de três semanas haverá eleições em mais um dos estados da antiga Alemanha de Leste, o Brandemburgo. E também aqui a AfD é a favorita, com 24,6% nas sondagens. Seguem-se o SPD, que governa o estado (19,3%), a CDU (18,6%), a Aliança Sahra Wagenknecht (16,9%), e os Verdes (5,3%). Todos os restantes estão abaixo da barreira dos 5%.
Centro-direita à frente a nível nacional. As eleições regionais são um prenúncio do que poderá estar para vir a nível nacional, com os três partidos atualmente no Governo com péssimos resultados nas sondagens. A vitória sorriria desta vez à CDU (31,5%), mas em segundo surgiria a extrema-direita da AfD (17,4%) e só depois o SPD do chanceler Olaf Scholz (15,3%). Seguem-se Verdes (11,6%) e Aliança Sahra Wagenknecht (7,9%). Liberais (4,6%) e Esquerda (3%) ficariam de fora do Bundestag (a não ser que conseguissem eleger deputados em círculos uninominais).