A cruzada da Rússia para salvar o líder sírio Bashar al-Assad terminou num fracasso e Vladimir Putin passou de novo árbitro do Médio Oriente a estratega que assiste à sua maior derrota geopolítica.
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Fraqueza aos olhos dos aliados e dos inimigos
Se o chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozin, expôs a fragilidade do regime russo ao encenar uma revolta armada em junho de 2023, a queda de Bashar al-Assad em menos de duas semanas expõe a fraqueza da política externa russa.
Putin parece escolher mal os parceiros: o seu "inimigo íntimo" Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, levou a melhor na Síria, enquanto o Irão perde cada vez mais terreno no Médio Oriente.
Os serviços secretos russos confirmaram a sua incapacidade ao não avisarem Moscovo dos rápidos desenvolvimentos no país árabe, tal como em 2022 informaram erradamente Putin de que os ucranianos não resistiriam à ofensiva russa.
A Rússia apresenta-se como porta-estandarte de uma nova ordem multipolar face ao monopólio ocidental, mas é incapaz de enfrentar a ameaça islamista, quer na Síria, quer no próprio país.
A cruzada lançada por Putin há 10 anos teve como resposta, em março, a morte de 145 pessoas no ataque a uma sala de concertos perto de Moscovo, o maior atentado terrorista no país nos últimos 20 anos.
Duas frentes de combate
Putin não só salvou o regime sírio em 2015, como também impediu, dois anos antes, que os Estados Unidos usassem o argumento das armas químicas sírias para invadir o país.
Moscovo pensou que os bombardeamentos dos aviões russos e a presença ameaçadora da sua frota no Mediterrâneo Oriental eram suficientes para manter as fações rebeldes à distância.
Na hora da verdade, o contingente russo revelou-se um "tigre de papel": sem forças regulares no terreno, recorreu a mercenários, que perderam claramente o fôlego desde a morte de Prigozhin.
As ilusões de grandeza de Putin custaram muito caro à Rússia: a guerra na Ucrânia já se arrasta há quase três anos e o exército russo, sobrecarregado pela corrupção, mostrou que não consegue combater em duas frentes ao mesmo tempo.
Nem o lançamento de mísseis hipersónicos dissuadiu Kiev, que atacou o território russo com mísseis ocidentais de longo alcance.
E se os russos estão a avançar no Donbass (leste da Ucrânia), ainda não expulsaram os ucranianos da região russa de Kursk.
A manifesta fraqueza pode tornar-se um problema para o Kremlin antes das esperadas negociações entre Putin e o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Bases militares em risco
Numa tentativa desesperada, Moscovo estabeleceu, nos últimos dias, contactos com os rebeldes para evitar ataques às suas bases militares. No entanto, tudo o que conseguiu foram tímidas garantias de segurança.
"É prematuro falar sobre isso. Em todo o caso, será objeto de discussão com os detentores do poder na Síria", disse hoje o porta-voz do Kremlin.
Peskov admitiu que a situação na Síria era "extraordinariamente instável", mas acrescentou que os militares russos tomaram as "medidas de precaução" necessárias.
O aeródromo russo de Khmeimim recebeu dezenas de caças, caças-bombardeiros e helicópteros de assalto desde 2015, que também descolaram de aeródromos em Homs e Palmira.
A base de Tartus, a única base naval fora das fronteiras da Rússia e na qual Moscovo investiu enormes quantias de dinheiro desde 2012, acolheu vários navios de guerra, incluindo fragatas.
O encerramento de ambas as instalações seria um golpe para a Rússia, cuja frota mediterrânica não teria onde atracar, uma vez que o Tratado de Montreux impede o seu trânsito através do Estreito de Bósforo para as bases no Mar Negro.