Lara foi dada como desaparecida em agosto. Cadáver esteve dentro da habitação antes de ser enterrado em terreno arenoso, em Peniche.
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A jovem de 16 anos que confessou ter matado a irmã, de 19, com uma faca manteve o corpo escondido em casa durante três dias, antes de o enterrar num terreno arenoso nas traseiras da habitação, em Peniche. Para já, o diretor da Polícia Judiciária (PJ) de Leiria, Avelino Lima, afasta a hipótese de haver terceiros envolvidos no crime.
Avelino Lima revela, ao JN, que a primeira vez que Beatriz foi interrogada - após o Ministério Público de Peniche ter solicitado, na sexta-feira, a intervenção da PJ para “apurar os contornos do desaparecimento” de Lara, participado a 19 de agosto -, disse que a irmã, Lara Silva Pereira, tinha ido para Lisboa com o namorado.
As “diligências ininterruptas” dos inspetores da PJ, desde então realizadas em Peniche, Caldas da Rainha e na Grande Lisboa, “despistando as informações obtidas das vivências da jovem dada como desaparecida, indiciaram que a factualidade, que se perspetivava trágica, teria ocorrido na área da residência”, refere a força policial em comunicado.
Os vestígios de sangue encontrados no quarto que as irmãs partilhavam demonstraram que a versão de Beatriz não era credível. Confrontada com os factos, confessou o crime, indicou o local onde enterrou a irmã, e foi detida anteontem. Suspeita de homicídio qualificado, vai ser presente hoje ao Tribunal de Leiria.
O diretor da PJ de Leiria considera como hipótese mais provável Beatriz ter arrastado o corpo de Lara, que sofria de nanismo e tinha apenas 1,22 metros, até ao local onde o enterrou, apesar de não terem sido encontrados vestígios de sangue no caminho. “A jovem é bem constituída”, declarou ao JN, pelo que acredita que não teria dificuldade em fazê-lo sozinha.
Quanto ao facto de ter mantido o cadáver dentro de casa durante três dias, sem que tivesse sido detetado pelo pai, Avelino Lima avança como explicação as dificuldades económicas da família e a falta de limpeza de espaço, que terá disfarçado o odor emanado pelo corpo da vítima. Além disso, houve uma tentativa de eliminar as pistas da “morte violenta”, no dia do crime, com recurso a produtos de limpeza. “Estavam sinalizados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens por necessidade de apoio social e económico”.
“Nunca saiu daqui”
Reformado por invalidez, Jorge Paraíso Pereira, de 58 anos, sofreu vários acidentes vasculares cerebrais (AVC), que lhe causam dificuldades de expressão e de locomoção e teve problemas de alcoolismo. “Agora, tenho uma casa com dois quartos para nada”, disse ao JN, de olhar perdido, encostado a um muro em frente ao buraco, de pouca profundidade, onde Beatriz enterrou a irmã.
Recuando até 15 de agosto, dia em que Lara desapareceu, Jorge Pereira recorda que a filha mais nova lhe disse que a irmã tinha ido para a capital. “Ela não saiu para Lisboa, nem para lado nenhum. Nunca saiu daqui”, observa, emocionado. “Não sei porque é que ela fez isto”, desabafa. “Ela [Lara] era boa pessoa e amiga da gente”, acrescenta. Em comunicado, a PJ adianta que o crime foi cometido por “motivo fútil”, que poderá estar relacionado com um telemóvel.
Apesar de confessar que “andavam sempre à zaragata uma com a outra”, o pai sublinha que nunca se chegaram a agredir, porque ele não deixava. Face ao desfecho trágico dos acontecimentos, manifesta estranheza por a PJ prosseguir com as investigações. “Agora, não há nada a fazer”, comenta o antigo servente de pedreiro, entre lágrimas.
Corpo conservado
O corpo de Lara não apresentava grandes sinais de decomposição. O cadáver foi exumado e conduzido para o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Gabinete de Torres Vedras para autópsia.
Amigos ouvidos
A PJ ouviu os familiares diretos, amigos e contactos de amigos, assim como o namorado de Lara, e a equipa do Laboratório de Polícia Científica realizou “vários exames e perícias”, determinantes para apurar os factos.
Surpresa de vizinhos
A maior parte dos vizinhos da família de Jorge Paraíso Pereira manifestaram-se surpreendidos com o crime. “Conhecemo-las desde pequenas daqui da rua. A Bia [Beatriz] sempre foi uma miúda sossegadinha”, diz uma moradora nas proximidades.
Ana Vasconcelos, Pedopsiquiatra
O crime choca pela violência entre irmãs. O que pode explicar isto?
Há situações em que os irmãos sentem que o outro é privilegiado e vão acumulando ódio e raiva. Aqui não sabemos se foi a que matou a sentir que a irmã [anã] tinha todas as atenções, se era a vítima que reagia mal perante uma irmã normal. A única coisa que se pode dizer é que temos de esperar respostas da Justiça e da Psiquiatria.
Ódio ao ponto de matar e esconder o corpo junto a casa durante um mês?
Às vezes as pessoas entram em mecanismos de violência e agem com uma frieza muito grande. Há patologia psiquiátrica sempre que há sofrimento. O homem não é mau. Eventualmente naquela família, ou pelo menos naquelas duas irmãs, havia algo que resultou num sofrimento brutal na que matou.
Enquanto sociedade, há alguma posição que possamos tomar?
Acho que é preciso pôr as pessoas a pensar que uma situação destas não apela à justiça do cidadão mas, francamente, e eu não sou católica, à compaixão, porque denota um sofrimento brutal. Estes casos, porque não é o primeiro, mostram tanto sofrimento que o melhor é ficarmos tranquilos até termos mais elementos sobre o que aconteceu. Terá de ser um psiquiatra a desvendar a origem de tanta dor e sofrimento. Reis Pinto