Mais de 100 feridos no distrito de Aveiro. "A ti Natália foi toda queimadinha para o hospital"
Duas pessoas morreram – uma de ataque cardíaco, outra carbonizada –, casas de primeira habitação arderam totalmente e armazéns e terrenos de cultivo ficaram destruídos.
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Albergaria-a-Velha não tem memória de um fogo assim. Parecia que as chamas “vinham de todo o lado, todas ao mesmo tempo”, garantem os populares. O fogo, que chegou com força às primeiras horas da manhã desta segunda-feira, cerca das 7.30, lavrou nas seis freguesias do concelho. Mas houve algumas localidades mais fustigadas pela fúria do incêndio, como Frossos e Fontão. Duas pessoas morreram.
Maria da Conceição Anjos, de 72 anos, está à frente da casa de uma vizinha que ficou com a habitação, de primeiro andar, totalmente carbonizada no interior. “Vinha ver se os via, para lhes dizer que se precisarem podem ficar a dormir em minha casa”, explica Conceição. Vive ali em Frossos, junto à bacia do rio Vouga, há mais de 50 anos e nunca viu tamanho incêndio. “Há quatro anos ardeu, mas não foi nada comparado com isto”, recorda.
Ainda não eram 8 horas quando Conceição se agarrou ao telefone a pedir ajuda pelo 112. “Só pensava ‘ai que vai arder tudo na casa da Paula’, porque eu sabia que ela e o marido tinham saído para trabalhar. E ardeu mesmo. Eu tive de acudir às minhas coisas, porque o fogo estava na minha casa também, nas traseiras e no jardim, e não consegui acudir à dela”, lamenta Conceição, cuja casa se salvou, ainda que os terrenos à volta tenham ardido. Como é que conseguiu manter a sua moradia em segurança, nem ela sabe bem. “Não tinha eletricidade para tirar água do poço nem tinha água da companhia. Fui como pude, com o meu marido, buscar baldes a uma represa que há aqui perto”.
O casal cuja casa não resistiu às chamas, ambos na casa dos 50 anos, acabaria por já não chegar a tempo de salvar a moradia, situada paredes meias com outras duas. “Tiveram de ir para o hospital. Ele cortou um dedo num vidro e ela tem problemas de coração e afligiu-se muito”, adianta outra vizinha.
Na mesma rua, alguns metros à frente, a “Vila Francelina”, uma casa do fim do século XIX, de arquitetura brasileira e com pormenores de Arte Nova, hoje utilizada como turismo rural, foi completamente engolida pelas chamas, em todo o interior. Os passadiços de madeira junto ao Vouga ainda ardiam, ao início da tarde, num ou noutro local.
Todo o concelho de Albergaria-a-Velha mantinha-se numa espécie de crepúsculo, envolto numa cortina de fumo negro, denso. Ainda que os termómetros marcassem 30 graus, era impossível perceber onde estava o sol. Ao subir pelas estradas que levam aos lugares mais cimeiros da freguesia de Angeja, havia galhos queimados no meio das vias e postes elétricos queimados, caídos. A eletricidade, aliás, ainda não tinha sido restabelecida em alguns locais.
Quanto mais perto dos eucaliptais se situam as casas, maior o sufoco vivido pelos populares. “Diz que a ti Natália foi para o hospital toda queimadinha. É uma senhora que vive nuns pinhais, tem 83 anos e andava toda derreada. Foi o Augusto da Junta buscá-la”, conta Rosa Marques, também de Frossos.
"Nunca visto"
A cerca de meia dúzia de quilómetros, no Fontão, o inferno das chamas destruiu os anexos de uma casa, lavrou por terrenos de cultivo e ameaçou criação. A IRA – Intervenção e Resgate Animal deslocou-se ao local, onde tentava socorrer um rebanho, cujas ovelhas foram atingidas pelo fogo. Na casa em frente, o telhado ardeu totalmente.
“Só não passou mesmo para a casa porque tem placa. Isto foi uma coisa nunca antes vista”, garante um popular. “Eu só disse ao meu filho: se eu te mandar saltar para dentro do tanque que tem água, é para saltares na hora”, conta outra moradora.
Ainda não era tempo, na tarde desta segunda-feira, de fazer contas aos prejuízos totais de um incêndio que até à zona urbana do concelho chegou, com o armazém do Continente a ter ficado destruído. No centro de Albergaria-a-Velha, pelas 16.30 horas, poucos se arriscavam a andar na rua. “Ficou tudo dentro das suas casas, com medo”, ressalvava um local, que só saiu para ir à farmácia. As escolas estiveram fechadas todo o dia e o Cineteatro Alba acolheu quem corria perigo em casa. Ainda que o pior parecesse já ter passado, os populares, em várias localidades, temiam a chegada da noite.
Mais de 100 feridos
No total, em Albergaria-a-Velha, há dois mortos a lamentar. Um homem morreu, no Fontão, vítima de ataque cardíaco, ao afligir-se – segundo os vizinhos – com o incêndio. Já na localidade de Sobreiro, um jovem, de 28 anos, trabalhador de uma empresa de exploração florestal, foi encontrado carbonizado. Teria ido tentar recuperar maquinaria afetada pelo fogo, quando foi apanhado pelas chamas.
Ao final do dia, a Unidade Local de Saúde da Região de Aveiro informou que, na sequência dos vários incêndios da região, deram entrada 10 pessoas na Urgência do Hospital de Aveiro: cinco com queimaduras – uma delas transportada para Coimbra –, três com dificuldades respiratórias e duas com traumatismos decorrentes do esforço de combate aos incêndios. Ao mesmo tempo, no Serviço de Atendimento Complementar de Aveiro, foram atendidas 27 pessoas, no de Albergaria a Velha, 57 e, na Unidade de Cuidados Personalizados da Branca (concelho de Albergaria-a-Velha), mais 43 doentes.