Festival Internacional de Marionetas do Porto volta a receber esta sexta-feira Olivier de Sagazan.
O palco é um ventre escuro. Olivier de Sagazan entra como quem nasce e morre simultaneamente. Em "Hybridation", o artista francês transforma o corpo em matéria instável: mistura de carne, barro e respiração. Nada é representação, tudo é transfiguração. Durante 50 minutos, assistimos a uma metamorfose em que a carne é que fala, o gesto é que pensa, e o corpo é que se destrói para poder existir.
Sagazan, nascido em 1959, em Brazzaville, e formado em biologia, trocou os laboratórios pela arte nos anos 1990. Essa origem científica pulsa no seu trabalho: o corpo é organismo, a identidade é mutação. Desde "Transfiguration" (1998), o criador tem explorado a ideia de escultura viva, cobrindo-se de barro, apagando o rosto até restar apenas a dúvida: o que é ser humano quando a máscara cai? "Hybridation" prolonga essa busca, agora em diálogo com outro corpo, como se duas criaturas tentassem reconhecer-se dentro da mesma lama primordial.
A luz é mínima, o som é orgânico, quase animal. O barro cola-se à pele como uma segunda carne. Há ternura e horror, amor e repulsa, numa dança lenta e ofegante.
O público oscila entre fascínio e desconforto: é impossível não olhar, mesmo quando a cena se torna quase insuportável. É aí que o espetáculo ganha força - no limite entre beleza e repulsa, entre humano e animal, entre forma e dissolução.
Há, em "Hybridation", uma herança clara de Antonin Artaud. Como o criador do "Teatro da Crueldade", Sagazan devolve ao corpo o poder do sagrado e do abismo. Ambos acreditam que o palco deve ser um ritual de exorcismo. Artaud queria um teatro que fizesse tremer o espírito; Sagazan dá-lhe corpo, barro e respiração. Olhamos e já não sabemos quem é que se desfigura, o performer, ou nós.