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Jorge Pinto: "A minha candidatura vai até ao fim porque o país precisa"

Jorge Pinto, deputado do Livre é candidato à Presidência da República Foto: Pedro Correia

Jorge Pinto, deputado do Livre com 38 anos de idade, garante que não vai desistir da corrida a Belém e que vai a votos no dia 18 de janeiro, acusando António José Seguro de "deturpar" o seu apelo à convergência. Em entrevista ao JN e à TSF, o candidato presidencial diz que o ex-líder do PS não tem firmeza suficiente para tomar decisões e que o país precisa de "uma candidatura da Esquerda moderada, que não almoce com passistas". Por sua vez, pisca o olho aos votantes do PS e do Chega.

Se fosse presidente da República, já teria desafiado o Governo a demitir a ministra da Saúde?

Acredito que a maneira de um presidente da República estar presente, observando a separação de poderes que vem na Constituição, não passa por insistir na demissão do ministro A ou B, porque isso não resolve problemas. E até o pode fazer em privado junto do primeiro-ministro. O que considero essencial, em particular em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), é que possa dar oportunidade à Assembleia e ao Governo para resolver os problemas. Dando um tempo que seja considerado suficiente para, pelo menos, perceber se estão a ser resolvidos. Caso não sejam, aí, sim, o presidente pode entrar em jogo, mobilizando a sociedade. Convocarei uns estados gerais ao final de um ano após a minha tomada de posse se não vir, por parte do Governo, uma solução que seja no mínimo aceitável para os problemas do SNS. Precisamente para ouvir todos os agentes e para que possa haver uma solução de longo prazo.

Prometeu dissolver a Assembleia se a revisão da Constituição avançar só com os votos da Direita. Em que outros cenários usaria a chamada bomba atómica?

Não me quero comprometer e atar as minhas próprias mãos para aquilo que possa ser a minha necessidade de ação no futuro. Esse cenário da revisão constitucional é efetivamente importante. Quando digo que dissolveria a Assembleia caso houvesse uma tentação exclusivamente à Direita e à extrema-direita de fazer uma revisão drástica da Constituição, o meu objetivo não é usar a bomba atómica. É usar a dissuasão nuclear, para que essa tentação não exista sequer. E se outros candidatos tiverem a mesma clareza que tenho ao dizê-lo, essa tentação vai ser reduzida.

Na revisão da legislação laboral, admite uma atitude idêntica se for aprovada pela Direita ou iria apenas vetar o documento?

Ainda é cedo, o documento não chegou sequer à Assembleia. Estamos a falar de mais de 100 propostas de alteração que representam um ataque aos trabalhadores e às suas famílias, como não víamos há décadas. E o facto de termos uma greve geral já convocada pelas duas centrais intersindicais, o que não acontecia há mais de 10 anos, é também sintomático do que está em causa. Se o anteprojeto chegasse a mim tal como está agora, iria para uma fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional, mas o veto político seria uma garantia.

No referendo do Livre, teve pouco mais de 50%, se contabilizarmos os votos em branco. Esperava uma votação mais expressiva? Causa-lhe desconforto percorrer o país com o selo do Livre, tendo este resultado interno?

De todo. Para ser claro, tive mais de dois terços dos votos, algo que muitos outros candidatos adorariam ter dos militantes daqueles partidos que os apoiam. Percebo que possa ter causado alguma estranheza ter surgido tão tarde a nossa candidatura presidencial, a primeira em que há um candidato que é membro do Livre. Estou completamente certo de que o partido está comigo. Agora, a minha obrigação é também alargar a base de apoiantes e estou muito convicto de que o vou conseguir fazer até ao dia 18 de janeiro.

Se o Livre tivesse expectativas para estas presidenciais, não teria apostado em Rui Tavares?

O que o Livre fez foi apoiar o candidato que se apresentou. Rui Tavares teria sido um excelente candidato, não tenho a mais pequena dúvida. Isabel Mendes Lopes também. Agora, seria estranho que líderes políticos quisessem também ser candidatos presidenciais. Aliás, o único nesta situação é da extrema-direita.

Mas avançou após ter a garantia de Rui Tavares de que não iria concorrer?

É evidente que falei com algumas pessoas antes de avançar. E, certamente, com os meus colegas na Assembleia, mas foi uma decisão bastante rápida. Decidi dar o passo em frente quando percebi que não haveria uma candidatura que pudesse agregar as esquerdas, que representasse minimamente aquele espaço ideológico que é o meu e de muitos milhares de portugueses.

Também no referendo, António José Seguro foi o candidato externo mais mencionado, com quase 18%. O Livre deveria ter feito um esforço maior para agregar a Esquerda?

O Livre foi o partido que fez o maior esforço possível, eu próprio incluído. Seja por ação ou até por omissão, no sentido de ficar à espera que surgissem candidaturas. António José Seguro tem mostrado bem que não é o candidato que convém à Esquerda. Precisamos de uma candidatura que seja da firmeza, não da tibieza, de uma candidatura da Esquerda moderada que não almoce com passistas. Representar o país na sua unidade não nos deveria obrigar nunca a esconder o que somos. Se outros candidatos acham que assumirem que são da Esquerda é serem colocados numa gaveta, fico triste. Da minha parte, é motivo de orgulho.

O ex-líder do PS tem vergonha de ser da Esquerda?

O próprio é que disse que não queria ser colocado numa gaveta, entretanto já veio corrigir as afirmações, quase como aquele aluno que é apanhado a copiar e afinal pede desculpa ao professor. Ser de Esquerda é ser defensor dos princípios republicanos da liberdade, da igualdade e da fraternidade. O país precisa de um presidente que seja um contrapeso democrático. E muito firme na tomada de decisões. Não me parece que firmeza seja a palavra que melhor descreve António José Seguro.

Já foi militante socialista. Saiu em 2013, quando Seguro era secretário-geral. Desiludiu-se com o partido ou mais com a liderança?

Fui militante do PS desde os 18 anos até à fundação do Livre. Procurei documentos dessa época e encontrei um email onde recusei assinar a propositura para que José Sócrates continuasse como secretário-geral. Portanto, ainda antes da sua queda em desgraça dentro do PS, eu próprio já dizia que não me identificava com o mesmo. E encontrei também a carta de desfiliação que escrevi em 2013, quando Seguro era líder, dizendo que a política portuguesa e, em particular, a sua Esquerda precisavam de ser renovadas e, caso não se tomassem medidas, o perigoso afastamento entre a sociedade e os partidos iria continuar a aumentar.

Admitiu desistir em prol de Seguro, ao mesmo tempo que se assumiu como o candidato com mais vontade de ganhar. Como explica esta contradição?

Deixe-me dizer com toda a clareza: a minha candidatura vai até ao final. Fui deturpado naquilo que disse. António José Seguro, que se diz tão afastado do mundo político, parece ter mantido os piores hábitos dos políticos, que é o de deturpar aquilo que outras pessoas dizem. O que eu disse é que ainda íamos a tempo de falar de convergências à Esquerda, desde que fosse mútuo e as outras candidaturas estivessem dispostas a desistir em prol da minha, caso eu fosse o mais bem colocado. Este apelo não foi ouvido por parte dos outros candidatos. Não sou filho de um Deus menor. A minha candidatura vai até ao fim, porque o país precisa que ela vá até ao final. A minha candidatura vai a votos no dia 18 de janeiro.

A falta de convergência à Esquerda não aumenta as hipóteses de André Ventura passar à segunda volta?

Há ainda imensas pessoas indecisas e acredito que a minha candidatura vem até reforçar a Esquerda, porque quer somar, não quer dividir. Quero falar com as pessoas que estão desiludidas com o país. E com o eleitorado que, neste momento, pensa em votar no candidato André Ventura. Venho para fazer as coisas de maneira diferente. Para ser menos do mesmo. Venho para ir buscar votos também à Direita e certamente à extrema-direita.

Mas essa dispersão não poderá beneficiar a Direita e a extrema-direita?

Essa pergunta deveria ser feita aos outros candidatos. Porque se houve candidato que esperou que pudesse surgir uma candidatura agregadora fui eu. Fui o último a apresentar a candidatura. Isto não é uma repartição das finanças, onde quem chega primeiro para tirar a senha tem direito de precedência e os outros ficam para trás. Quem se chegou à frente antes dos outros, quem não quis esperar por essa convergência, é que tem de explicar o motivo e porque é que acha que a sua candidatura está mais bem colocada.

Refere-se a Seguro e ao PS?

O PS parece ter sido um pouco arrastado pelos factos. Para muitos militantes e apoiantes do PS, Seguro não é o candidato que gostariam que o partido apoiasse. Falo também para essas pessoas, porque muitas estão divididas no seu voto. Algumas provavelmente iriam votar em Gouveia e Melo. O que lhes digo é que há uma alternativa melhor, mais coerente e melhor colocada, com mais energia e vontade de chegar à Presidência, que é a minha. Faço-lhes um convite: venham dizer comigo presente a este chamamento que o país faz por nós.

Carla Soares