Notícias Magazine

Igualdade

Quando eu era miúdo, um inquérito promovido pelo Pr. Diné, numa reunião de estudo bíblico, ministrou-me uma lição que conservo até hoje. A ideia era identificar os talentos de cada um, para os podemos pôr ao serviço do Senhor - oh, como eu me sinto distante da minha infância protestante... -, e afinal todos nós tínhamos os mesmos dois dons: o dom da fé e o dom (e cito) da liberalidade. Gabámo-nos muito, cada um de nós, mas afinal não havia segredo: acreditar e contribuir eram as duas exortações que mais frequentemente recebíamos do púlpito. E o que aqueles resultados mostravam era que, num inquérito sobre como se sentem, as pessoas tendem a responder que se sentem como acham que se deviam sentir, tentando acertar na resposta muito mais do que compreender-se.

Penso sempre nisso quando ouço mães e pais levarem o punho ao peito e proclamarem que criaram os filhos da mesma maneira, ou que lhes deram a todos o mesmo amor, ou mesmo que gostam de todos eles por igual. Essas mães e esses pais não estão a falar daquilo que sentem: estão a falar de como acham que se devem sentir, e também do medo terrível de não se sentirem como devem. Em parte, percebo-os. Agora que se aproxima o nascimento da Salomé, todos os dias me assalta o pânico de que ela - ou o Artur, mas este já se tornou concreto, o amor pode palpar-se - possa em algum momento sentir-se menos amada do que ele. Ser o filho menos amado, que todos sabem ser menos amado, e que se sente o menos amado, é uma fragilidade que nunca se erradica por completo, e muito me decepcionaria se agora eu próprio viesse a cometer esse crime.

Mas não vale a pena recusá-lo: ninguém é tratado da mesma maneira numa família, ninguém recebe o mesmo amor e, provavelmente, ninguém é amado com a mesma intensidade. Na verdade, ninguém vive sequer na mesma casa que os seus irmãos - nem mesmo os gémeos -, e muito menos alguém tem os mesmos pais que eles. O tempo muda tudo, e nem é só o tempo. Mesmo que conseguíssemos parecer as mesmas pessoas, com as mesmas rotinas, as mesmas ansiedades e a mesma história, as pessoas que somos são sempre o cruzamento daquilo que trazemos connosco com aquilo que aqueles com que nos cruzamos produzem em nós. Nunca somos os mesmos pais, desde logo, porque eles também não são os mesmos filhos. Portanto, quando agora penso nos meus dois filhos, a minha idade (e se vou ser capaz de criá-los, e com que sabedoria) já não é a primeira coisa em que penso. A primeira coisa é se vão sentir-se ambos amados, e igualmente amados.

De resto, a única certeza absoluta que adquiri, até hoje, é que, sempre que há um problema entre pais e filhos, a culpa é em primeiro lugar, sobretudo, e afinal toda, dos pais. Portanto, cabe-me a mim resolver isso.

Joel Neto