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Dizem os números, na sua frieza, que a maioria dos lisboetas usam boa parte dos seus tempos livres, para visitar centros comerciais. Dizem mais, que essas grandes superfícies, votadas à pressão do consumo, são, por esses mesmos lisboetas, encaradas não apenas como espaços onde se pode fazer compras, mas também como locais de divertimento e lazer.
E não é tudo. Esta escolha do uso dos tempos livres atravessa todas as classes, sejam elas definidas pela idade, ou pela posse de mais ou menos recursos e capitais.Contudo, a frequência assume proporções estatisticamente mais relevantes entre os jovens, dos 18 aos 24 anos.
Os mais velhos vão aos centros comerciais para passear, ou ver montras; os mais jovens para ir ao cinema; os mais endinheirados para fazer compras. Outros aproveitam a existência de um grande número de restaurantes e cafés, para lá ir almoçar, lanchar ou jantar.
Esta realidade societal, que os números confirmam, não nos traz propriamente novidade. Há muito que o senso comum apropriou este conhecimento, e lhe conferiu popularmente uma designação, que todos conhecemos - 'O passeio dos tristes', ou, 'A volta dos tristes'. É uma designação que tem todo o sentido.
Um centro comercial é um edifício de betão, climatizado, inundado de flores de plástico (que, as mais das vezes, até parecem verdadeiras), onde não bri-lha o sol, mas o néon; onde não se ouve o mar ou o vento, mas o ruido de vozes e músicas é intenso; onde ninguém se conhece, nem se cumprimenta, mas todos se sentem gratos por isso.
É um local de confortável anonimato, mas também de desconhecimento do outro, onde a humanidade, que deveria caracterizar cada um de nós, parece desaparecer, dando o seu lugar à ausência de humanidade. No centro comercial, a sociedade está pronta a afirmar-se como uma coisa, e uma coisa dominante, já que as pessoas como que deixam de o ser, para se transformar em indivíduos que abdicaram da prática da sociabilidade, e da relação.
O centro comercial é o avesso da comunidade. Há lá muita gente, mas ultrapassado o universo da família que passeia em conjunto, ninguém se conhece ou quer conhecer; e ninguém está muito interessado em interagir, a não ser com a empregada da loja, ou do restaurante; com a menina das informações, ou a bilheteira do cinema.
O centro comercial é o paradigma de uma das mais aflitivas solidões que as urbes modernas constroem, com a cumplicidade pacífica dos cidadãos. Lisboa não foge à regra. E, assim, cada um passeia nestes lugares da solidão instituída, a sua própria solidão entretida, discretamente vigiado pelas câmaras, que só lá estão para garantir a segurança dos bens expostos.
E há neste triste passeio, dos que vão ver as montras, muito de conformismo, como de masoquismo e sonho. A oferta é muita e variada. Os conformados o-lharão, e passarão adiante, sem desejos, nem dores. Os masoquistas haverão de confrontar-se com a vontade de comprar e, ao mesmotempo, com a dolorosa evidência de não o poderem fazer. Os sonhadores namorarão a peça, que sonham comprar.
Provavelmente, todos pensarão que esta é a nossa maneira de viver actual; que é a modernidade, e que os centros comerciais são do melhor que há, para passar um bom bocado. Entenderão, até, que nos centros comerciais não há solidão, porque aquilo está sempre cheio, há montanhas de gente... Que se lhes há-de fazer? É assim a vida.