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Aideia de que todos os portugueses vão passar a receber menos reforma e trabalhar até mais tarde é rejeitada por Vieira da Silva, mas o ministro admite que, "para uma percentagem elevada das pessoas que estão no mercado de trabalho, a nova fórmula de cálculo significa que a pensão será mais baixa do que seria com a aplicação da velha fórmula de cálculo". O ministro quer que a taxa para a Segurança Social financie apenas a Previdência.
JN|A reforma da Segurança Social (SS) visa tornar sustentável um sistema que ameaça ruptura e por isso os portugueses vão ter que receber menos do que esperavam e trabalhar mais. É verdade?
Vieira da Silva|Eu não diria dessa forma, como é natural. A reforma da SS destina-se a, por um lado, tornar o sistema mais sustentável e, por outro lado, torná-lo mais adaptável à evolução da sociedade e da economia, por forma a que não tenhamos que estar permanentemente a refazer algumas das condições básicas da sua arquitectura. Nesse sentido, a primeira frase da sua afirmação é verdadeira. É uma reforma para defender o estado social e o primado do sector público na SS.
E não é verdade que vamos ter que receber menos e trabalhar mais? É assim tão difícil politicamente assumir que a reforma?
Não é uma questão de ser politicamente difícil afirmar isso.Considero que não é completamente correcto. Se para algumas pessoas esta reforma significa que a possibilidade de retirada da vida activa será mais tardia do que aquilo que eventualmente poderia acontecer, não é absolutamente rigoroso dizer que os portugueses vão agora trabalhar mais tempo do que trabalhavam no passado, quando começavam a trabalhar aos 13, 14, 15 anos.
Mas antecipando a entrada em vigor da fórmula que conta toda a carreira contributiva, a reforma será mais baixa do que seria expectável para quem já trabalha.
É verdade que, para uma percentagem elevada das pessoas que estão no mercado de trabalho, a nova fórmula de cálculo significa que a pensão será mais baixa do que seria com a aplicação da velha fórmula de cálculo. Não é verdade para todos - e cada vez será menos verdade - porque o princípio de que as carreiras contributivas e os valores dos salários estão sempre a subir é um princípio que a realidade cada vez desmente mais.
A taxa de substituição do salário pela pensão ronda os 80%. O que se pode esperar que seja esta média quando esta reforma estiver plenamente em vigor?
Temos hoje em dia uma taxa de substituição que é à volta de dez pontos acima do que é a média dos países da OCDE. Eu creio que nós estaremos no final deste processo todo num valor próximo da média. Estamos a falar num horizonte de 30 a 40 anos. Não há nenhuma varinha mágica que possa transformar um país que tem dos salários mais baixos da União Europeia num país que tem das taxas de substituição mais altas.
Acredita que os patrões vão facilitar o prolongamento da vida activa quando neste momento assistimos exactamente ao contrário? Como vai estimular os patrões a fazê-lo?
Essa é uma questão difícil, é uma das questões mais complexas e exigentes desta abordagem. Desta como de qualquer outra. Vejam o que está a acontecer em toda a Europa em que as propostas de reforma vão todas no sentido de tornar obrigatório o aumento da idade da reforma. Há que introduzir aqui uma ruptura na ideia de que podemos continuar a crescer economicamente com recurso a saídas cada vez mais precoces do mercado de trabalho. Isso não é viável. As empresas vão ter que reconhecer que as competências adquiridas pelas pessoas ao longo da vida não podem ser dispensadas como têm sido.
Mas para que os trabalhadores mais idosos não sejam um fardo para as empresas é preciso que exista formação profissional ao longo da vida, uma área onde sucessivos governos têm investido muito pouco.
É também por isso que houve vários momentos em que o senhor primeiro-ministro referiu que o nosso principal investimento para o próximo QCA tem que ver com o programa Novas Oportunidades, com a recuperação de qualificações de pessoas que estão hoje na vida activa. As empresas vão ter que fazer um esforço, como se está a fazer em todo o mundo, no sentido de valorizar os trabalhadores em idades mais avançadas.
E as empresas vão passar a ser chamadas a contribuir para o sistema de SS de maneira diferente do que fazem hoje, sobre uma parte do salário do trabalhador? O sistema vai ser revisto?
Não é a nossa prioridade, mas há algumas dimensões significativas em que vai ser revisto. Tem que ficar claro para os portugueses quem é que paga o quê. Por vezes, há quem pense que quando está a descontar está a financiar a acção social, as IPSS, etc, o que não é verdade. A linha divisória tem que ser clara. As contribuições para a SS financiam apenas as despesas associadas à função contributiva. Ou seja, as pessoas estão a contribuir numa lógica de seguro social, para terem uma retribuição desse contributo, quando necessitarem. Quer isto dizer que as contribuições vão apenas financiar as pensões, o subsídio de desemprego, de doença e de maternidade. São essas as prestações básicas do sector contributivo. Tudo o resto, que tem uma dimensão de solidariedade, vai ser financiado pelos impostos. Abono de família, complemento solidário, tudo o que é atribuído sob verificação de recursos, será financiado pelos impostos.
Qual é a implicação prática disso? O montante de receitas será o mesmo...
Não tem implicação nas contas do Estado, mas no sistema da Segurança Social que passa a ter mais clarificadas quais são as fontes de financiamento e as suas responsabilidades.
Mas o ponto percentual do IVA que hoje vai para a SS no futuro vai para qual dos bolos?
A partir do momento em que haja progressivamente uma correcção no âmbito das despesas do sector da previdência, as transferências serão legalmente destinadas, sem nenhuma dificuldade do ponto de vista da lei orçamental, às despesas que na actual lei têm ainda uma componente contributiva, como é o caso do abono de família.
Um dos factores que mais têm contribuído para abalar o sistema da SS é o envelhecimento da população e a ideia lançada pelo Governo para promover a natalidade através da diferenciação da TSU é a mais atacada pelos parceiros sociais. Esta proposta é para deixar cair?
O Governo não deixou cair nenhuma das suas propostas
Mas é um bom presente para os parceiros sociais?
O senhor primeiro-ministro não disse que era esta a resposta para os problemas da demografia. Apenas disse que esta era um contributo do sistema da SS para sinalizar a importância de uma viragem na evolução da nossa pirâmide etária.
O primeiro-ministro foi à Assembleia da República colocar a tónica nesta medida, o senhor ministro, que tutela a área, insistiu no contrário. "Nós não queremos pôr a TSU a fazer estas protecções e incentivos", disse ao DE. Para o senhor ministro, pelo que tenho lido, desde o início que esta proposta faz pouco sentido. Estamos perante um daqueles casos raros em que o ministro da tutela derrota o chefe do Executivo?
Não, estou plenamente identificado com as propostas que foram feitas pelo primeiro-ministro.
Como justifica estas declarações tão diferentes?
Não acho que haja diferença. O senhor primeiro-ministro disse claramente que esta não era "a" medida, que outras seriam apresentadas.
Esta medida, que os parceiros sociais tanto criticam, poderá impedir que se assine um acordo ou ela cai se isso permitir um acordo?
Eu sempre disse que o acordo com os parceiros sociais tem que ser visto no seu todo. Quando entramos numa negociação, sabemos o que é estruturante na posição do Governo - é estruturante o factor de sustentabilidade, é estruturante a aceleração da fórmula de cálculo das pensões, é estruturante a aplicação selectiva das fontes de financiamento; é estruturante a regra de actualização anual das pensões ser fixada de forma democrática e transparente. Esses são os pontos estruturantes, como é igualmente estruturante, ainda que seja mais dependente da execução do que da formulação em lei, a continuação de ganhos importantes no combate à fraude e evasão contributiva.
Tudo o resto é negociável?
E estes também são na sua concretização
Mas não nos princípios?
Não nos princípios.
Insisto. Todos os outros pontos, além dos que elencou há pouco, são negociáveis?
Todos os pontos são negociáveis. São estruturantes para responder aos problemas da sustentabilidade aqueles pontos que referi anteriormente.