Falar com ímpeto é uma enorme qualidade mediática. A política portuguesa está repleta de personalidades assim, retumbantes. De Alberto João Jardim a Valentim Loureiro, de José Sócrates a Santana Lopes, muito se poderia dizer sobre a diferença entre os seus factos e a pura demagogia. Também Paula Teixeira da Cruz entrou nesta galeria.
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O escandaloso falhanço da entrada em vigor do Novo Mapa Judiciário, assente numa plataforma informática não devidamente preparada pela estrutura do Ministério da Justiça, o Citius, paralisou muitos tribunais portugueses durante meses. Em seguida tentaram-se encontrar os culpados (técnicos) e por fim há uma solução final: despejar dinheiro em cima do problema fazendo um novo sistema informático. Conclusão? A ministra venceu. Decidiu altissonantemente a seu favor. E segue em frente.
[perguntas]
[1] Depois das demissões/exonerações do caso CITIUS, que opinião tem hoje sobre o caso?
[2] "Liberdade de expressão": o que são hoje os limites?
[respostas]
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] As responsabilidades devem imputar-se à acção política que se demonstrou incompetente e desacreditada, com sérios prejuízos à Justiça. Mostrar serviço à pressa e obedecer à troyka resultou num colapso.
[2] A liberdade de expressão é um dos temas mais complexas da nossa vida colectiva. Não há liberdades absolutas, nem direitos absolutos. Só o direito à vida. Em meia dúzia de palavras, pouco se pode tratar do tema. A liberdade de expressão é nuclear. Respeitar os outros também.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] O CITIUS aparece hoje como uma sucessão de episódios lamentáveis e por explicar que melhor fora para a justiça e para a credibilidade dos políticos e das instituições nunca tivessem acontecido! Mas o destino é fatal!
[2] Os limites à liberdade de expressão de cada um situam-se no limiar da ofensa às liberdades dos outros. É um balanceamento delicado e difícil que carece de uma forte experiência social e individual para encontrar o justo equilíbrio. E cada caso é um caso.
José Costa Pinto, advogado e presidnete da Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses
[1] Elegemos o novo "mapa judiciário" como o facto mais marcante do ano 2014 também pelas falhas clamorosas na sua implementação. Se o que aconteceu não podia ter acontecido, o que estamos a assistir agora - não assunção de responsabilidades - é igualmente impensável.
[2] Valores fundamentais como os da "liberdade de expressão" não podem ser espartilhados em limites de qualquer espécie, antes têm de traduzir em cada momento o pulsar da sociedade que os projetam e vivem.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Continuo a pensar que faltou previsão, planeamento e preparação. Porque foi interrompido o processo do substituição do Citius? Não foi por falta de verba.
[2] Todos os direitos têm limites. Os limites da liberdade de expressão terão de ser os que resultam da lei, que protege o bom nome, a reputação e a dignidade das pessoas e instituições. Temos é de ter presente que a noção de "dignidade" varia de cultura para cultura, e o que é admissível na cultura ocidental pode não ser noutras culturas. A forma de resolver este problema é cada Estado aplicar a sua lei no seu território, através dos seus tribunais. Nós, europeus, não podemos ter medo de defender os nossos valores, seja contra quem for e com que meios for. A Democracia não pode ser tolerante com os seus inimigos.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A teimosia e precipitação políticas conduziram a uma imprevidência com custos graves (e porventura ainda totalmente insuspeitos).
[2] Qualquer direito tem limitações imanentes na existência dos demais, mas a liberdade de expressão é um esteio da democracia que exige a transparência e escrutínio do exercício de (qualquer) poder. A restrição para solução dos eventuais conflitos deve pois ser extremamente cautelosa. E, naturalmente, nenhum conflito admite resolução violenta.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Na origem esteve a pressa com que o Governo quis avançar com reforma, sem olhar aos avisos que foram sendo feitos. Recorde-se que um dos pilares que sustentava a reforma era, no próprio escrito da ministra, um sistema informático capaz e adequado a vencer as distancias. A única responsável é a ministra da justiça!
[2] Os limites, para além dos fixados pela lei, devem ser os limites éticos de cada um de nós, o que impõe conhecimento e uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Mais um caso em que a reforma pretendida era de grande envergadura e em que o planeamento e as consequências não foram devidamente analisadas. E as demissões não resolveram o problema entretanto criado.
[2] As liberdades devem ser respeitadas, e têm sempre como limite a liberdade de cada um, a minha liberdade só pode ser exercida desde que não afete ou ponha em causa a de outrem. Os parâmetros de limitação nem sempre são fáceis de medir.