A Constituição faz a "reserva do possível" ou garante o "princípio da proteção da confiança"? Luísa Neto classifica nestes termos mais rigorosos a pergunta central de hoje, o que, descodificando, quer dizer: estamos neste momento a prejudicar excessivamente os reformados? Ou, ao contrário, a tornar fatal que as gerações mais novas não tenham pensões no futuro?
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O leitor tirará as suas conclusões. Mas três coisas parecem certas: a primeira é a de que esta Constituição não foi feita (em 1976) com capacidade para incorporar um facto sociológico inelutável - a espiral de envelhecimento da população. A segunda, a de que a Constituição só garantirá sempre o que existir nos cofres do Ministério das Finanças. Terceira: haverá sempre Constituição para interpretar o "possível". O tamanho deste é que pode variar.
[perguntas]
[1] A Constituição tem mecanismos para defender as futuras gerações, tal como defende as gerações já com direitos adquiridos? E se não tem, devia?
[2] A mudança de presidente do Supremo Tribunal de Justiça pode representar algo de novo para a sociedade portuguesa ou o cargo é meramente 'honorífico'?
[respostas]
Agostinho Guedes, diretor da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] A ideia de que a Constituição protege certos grupos de cidadãos resulta de um entendimento incorreto dos direitos constitucionais; esta ideia de que os "direitos adquiridos" dos pensionistas de hoje prevalecem sobre os direitos dos futuros pensionistas é ela própria inconstitucional, por violar o princípio da igualdade: os cidadãos no ativo têm tanto direito às suas pensões como os atuais pensionistas..
[2] Duvido que mude alguma coisa.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] A CRP protege as gerações mais novas. Os reformados, com carreira contributiva completa ou em excesso, não devem ter novos cortes nas suas pensões. Estas vêm sendo cortadas irracionalmente desde 2010. Novos cortes permanentes em reformas com carreira contributiva integral ou em excesso traduz expropriação sem lei e sem indemnização. Quem não tem carreira contributiva integral constitui realidade distinta.
[2] Nada.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] A Constituição é instrumento de defesa dos direitos fundamentais! Porém, é passível de revisões ordinárias de 5 em 5 anos. Apesar do presidente do Tribunal Constitucional ter assento no Conselho de Estado, o voto é a melhor defesa dos nossos direitos.
[2] Não é cargo político, não obstante a sua influência é primordial. Quer na fixação de jurisprudência, quer enquanto presidente do Conselho Superior de Magistratura, que, entre outras competências, fiscaliza a atividade dos juízes.
Alberto Pinto Nogueira, Procurador-geral adjunto
[1] A CRP protege os direitos dos cidadãos de hoje e os de amanhã se e enquanto estiver em vigor, como outra norma qualquer. Não foi votada para a eternidade, mas para a sua vigência. No seu âmago, a pergunta tem algo de demagógico ora em voga e respeita às pensões de reforma. A questão respeita à lei ordinária e esquece muitas vezes que todos temos o direito de viver dignamente, as gerações de ontem, de hoje e de amanhã. O mundo não é dos jovens mas de todos os que cá vivem, ou não?
[2] O presidente do STJ é um homem polémico e de grande cultura, mas não enxergo que, saindo, possa daí advir qualquer crise. Há muito magistrado com cultura para ocupar o cargo, penso.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Faculdade Direito da Universidade do Porto
[1] Os direitos das gerações futuras têm sido pensados em contextos ambientais (Declaração de Estocolmo, 1972). Não existem direitos sociais adquiridos mas há um conteúdo mínimo de prestações que devem responsavelmente ser acautelados para a vida digna dos cidadãos de qualquer geração.
[2] O exercício de qualquer cargo depende da capacidade (e personalidade) do respetivo titular e da forma como o próprio - mais até do que os outros - interpreta a respetiva margem de atuação.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] A Constituição tem no seu cerne a proteção da dignidade da pessoa humana. Mas, por si só, não garante a sua prossecução pelos poderes. Terá de ser na prática da política e no exercício da cidadania que os comandos constitucionais se concretizarão, seja na salvaguarda das atuais gerações, seja das futuras.
[2] O presidente do STJ, principalmente pelo facto de também presidir ao CSM, tem a possibilidade de ter uma atuação que promova a dignificação e credibilização da justiça.
Maria Manuela Silva, diretora do departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] A Constituição contém uma parte I extensa dedicada aos direitos fundamentais dos cidadãos e consagra mecanismos para defesa dos mesmos que se aplicam a qualquer geração, futura ou presente.
[2] Qualquer mudança pode sempre constituir uma oportunidade, basta um perfil diferente, para uma diferente atuação. O cargo é importante, com poderes efetivos, o contexto em que está a ser exercido é que não confere grande margem de atuação.