Quanto maior a complexidade da sociedade, mais sofisticado se torna o crime económico. Algumas pessoas que já trabalharam dentro da máquina da Justiça chegam a afirmar que se retiram cada vez mais meios ao sistema judicial exatamente para impedir que se possam efetuar investigações complexas. Como se viu esta semana na sentença sobre as falhadas contrapartidas para Portugal no negócio dos submarinos - cuja sentença demorou mais de 10 anos - nada se apurou. Muitas vezes são as ilegalidades durante as investigações, outras vezes a incompetência, mas o resultado é frequentemente zero.
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A sociedade depara-se com uma realidade quotidiana: só quem confessa é que perde as hipóteses de escapar. E o bom cidadão sabe que os tribunais servem, essencialmente, para o punir implacavelmente por multas de trânsito.
[perguntas]
[2] O que poderia ser feito para a Justiça atuar de forma mais eficaz nos crimes de 'colarinho branco'?
[respostas]
Joana Pascoal, advogada e presidente da Associação Jovens Advogados
[1] A obtenção da prova é por vezes muito difícil. Não me querendo referir ao caso em concreto, há uma dificuldade comum nestes casos: a adequação dos meios de investigação e de julgamento às realidades da criminalidade milionária.
[2] Eficaz cruzamento de dados, formação adequada das magistraturas judiciais e legística competente. Não pedir a fatura de um café é mais fácil de sancionar do que alguma criminalidade cujo normativo aplicável padece de falhas, mais ou menos ingénuas.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] É tão difícil como julgar os outros. Implica trabalho, conhecimento do processo, empenhamento, muito estudo. E coragem para enfrentar o poder económico. Chama-se INDEPENDÊNCIA DE JULGAR. Julgar os pobres é fácil.
[2] Muita coisa. Meios atualizados. Magistrados capazes e firmes. Bem pagos. O crime se aperfeiçoa e o Estado se minimiza na "austeridade" que também serve para deixar impunes os amigos do poder político.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] A dificuldade dos casos judiciais de alta complexidade económica e financeira não se coloca na fase do julgamento, dado que nesta altura toda a matéria de facto deveria estar esclarecida e toda a perícia concluída com competência e profissionalismo. A morosidade destes casos estará a montante da fase de julgamento, a qual, se tudo tivesse corrido bem anteriormente, acabaria por ser a menos difícil.
[2] A investigação e a instrução deste tipo de processos devia poder contar com acesso amplo e célere a toda a informação pertinente, nacional e internacional, nomeadamente à disponível em entidades financeiras e bancárias e contar desde início e em permanência com a colaboração pericial de auditoria pública sediada no Tribunal de Contas e na Inspeção Geral de Finanças.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Diria que a complexidade de um crime depende mais da habilidade do criminoso em esconder os indícios do crime do que do crime em si. Cabe ao Ministério Público formar os seus agentes e aperfeiçoar métodos para combater todos os crimes.
[2] Ver resposta anterior. Ajudaria se a procuradora-geral não perdesse tempo com coisas que não são da sua competência (destino dos quadros de Miró) e usasse esse tempo para pensar em formas de melhorar o trabalho do Ministério Público.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Regra geral os envolvidos nestes casos conhecem bem a lei e como usar os seus «buracos». No caso concreto, o erro está na opção de compra por contrapartidas, como se viu também no caso das Pandur.
[2] A duração é excessiva - inquérito, instrução, julgamento - o que faz esbater muita coisa. Uma forma eficaz subjaz na ideia da atual ministra da criminalização do enriquecimento ilícito. Como diz o povo "quem cabritos vende e cabras não tem, dalgures lhe vem".
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Sim, pela própria complexidade, pela dificuldade em produzir prova, e muitas vezes porque envolvem lobbies poderosos do ponto de vista financeiro e até político. Além disso também o fator tempo pode ser crucial para obtenção de prova.
[2] Creio que será mais importante atuar a nível preventivo. Deveria desencadear-se o estudo efetivo das causas deste tipo de criminalidade. A complexidade das condutas e os critérios materiais da incriminação constituem dificuldades.