Jardim Gonçalves podia ser ou não condenado mas ninguém compreende que o processo tenha prescrito através da via sacra habitual. Por exemplo: o Banco de Portugal demorou mais de cinco anos a enviar um processo para tribunal? Vítor Constâncio, ex-Governador do banco, invocou indisponibilidade durante mais de seis meses para ser ouvido neste processo e oito no caso da falência do Banco Privado Português (BPP)?
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Ir a julgamento pode passar a ser algo apenas temerário para quem comete pequenas infrações. Quanto mais complexo é o caso, maiores são as possibilidades de nada acontecer. Se com Jardim Gonçalves foi isto que se viu, no caso BPN a receita da "prescrição" já está à vista. E no caso BPP idem. Sabia-se que a "Corte Financeira" sempre esteve bem relacionada. Mas não se imaginava tão acima dos comuns mortais.
[perguntas]
[1] A prescrição do processo do banqueiro Jardim Gonçalves reflete um problema mais geral na Justiça? Se, sim, qual?
[2] Os fundos comunitários das regiões mais pobres são usados em regiões mais ricas em nome do conceito "spill over" - benefício para as regiões pobres. O Norte contesta este uso pela capital. É um problema jurídico ou político?
[respostas]
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Este caso reflete uma série de problemas interligados: a dificuldade de investigação neste tipo de processos complexos do ponto de vista económico; o facto de o Banco de Portugal ter demorado 5 anos a remeter o processo para tribunal; o problema da possibilidade legal de manobras dilatórias que vão permitindo arrastar os processos e a própria morosidade da nossa justiça.
[2] Creio que o problema é político e também jurídico, há que aplicar os fundos de acordo com os objetivos previstos e equacionada se a aplicação terá verdadeiramente o efeito difusor. Existem naturalmente investimentos que têm de ser feitos em Lisboa, para beneficiar as regiões mais pobres, mas devem ser evitados os jogos políticos que esses sim podem conduzir a desvios do legalmente pretendido.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Parece-me que chegou o tempo de perguntar se, na Justiça, não existem demasiadas entidades em autogestão, se isso é compatível com o Estado de Direito e como devemos responsabilizar essas entidades pelos seus atos e omissões.
[2] Não é um problema jurídico; o spill over, a ideia de que os fundos "aplicados" em Lisboa beneficiam o resto do país, é mais uma chico-espertice inventada para continuar a sonegar os fundos de coesão às regiões que necessitam efetivamente deles.
Alberto Pinto Nogueira, Procurador-Geral Adjunto
[1] O Banco de Portugal e o Tribunal deviam explicar "tim/tim por tim/tim". Em vez de se acusarem mutuamente sem se perceber como ocorreu a prescrição. E o Banco devia explicar onde e como gastou 685 mil euros em assessoria jurídica de uma sociedade de advogados. Ou a austeridade do Banco é gastar?
[2] As desigualdades evidentes ofendem a justiça e solidariedade social. Sucede porque os dirigentes locais têm sido chorões e provincianos. Não têm política adequada.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] O caso da prescrição de coimas volumosas enraíza ainda mais profundamente o sentimento geral de que há uma justiça para pobres e outra para ricos. O poder actual, por ter publicamente garantido que com ele a impunidade chegara ao fim, não se pode colocar na posição de vítima surpreendida deste caso.
[2] A distribuição dos fundos comunitários é essencialmente uma questão de natureza política.
Joana Pascoal, advogada e atual Presidente da Associação Jovens Advogados
[1] A prescrição é uma garantia jurídica de que goza qualquer cidadão. Caso mediático ou não, o que está em causa não é o instituto da prescrição mas as delongas da nossa justiça. Lentidão essa que, não raras vezes, se traduz numa verdadeira denegação de justiça.
[2] Ambos. As manobras de spill over são permitidas pela legislação, mas a decisão de como distribuir os fundos pertence ao poder político, bem como a legitimidade legística. Parece-me fácil encontrar o responsável.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A prescrição tem lugar justificado num Estado de Direito. No entanto, impõe-se a previsão de prazos adequados à complexidade das matérias, a garantia de efectivos meios de investigação e uma muito firme monitorização das equipas de investigação e das magistraturas judicial e do Ministério Público.
[2] Sem negar o "spill over", é todavia necessária uma fundamentação clara e proporcional de quais os concretos efeitos positivos que justificam uma alocação diferente de fundos.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] A questão de fundo reside nos "buracos" processuais que permitem fazer prolongar os processos. Acresce que os prazos de prescrição não obedecem aos princípios das penas - a censurabilidade social. Em tese, alguns comportamentos contrários à lei não deveriam prescrever, pelo menos quando iniciados os procedimentos de inquérito.
[2] São opções politicas. A justiça não pode continuar a ser usada para camuflar ou tentar resolver questões que deve ser do domínio da política.