Quanto mais dossiers chegam ao Tribunal Constitucional mais os portugueses se apercebem da importância de uma instância jurídica que parecia (erradamente) não fazer parte do quotidiano da sua vida.
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As inconstitucionalidades decretadas em medidas do Governo/troika colocaram-no aos olhos da opinião pública como fiel da balança face à Lei fundamental. Agora são os despedimentos na Função Pública ou a decisão sobre a legitimidade de alguns candidatos autárquicos a colocar este tribunal no centro das atenções.
Mas a exasperante demora nas deliberações é inexplicável.Talvez por isso (e por outros factos ligados aos tribunais ou às medidas do Governo), este Barómetro reflete o pessimismo com que a sociedade portuguesa olha a Justiça e dá-lhe nota negativa - pela primeira vez desde a sua criação em Junho de 2012.
[perguntas]
[1] Ao fim de dois anos de Governo, qual é a principal mudança na Justiça?
[2] Que personalidade/medida destaca a nível nacional ou internacional?
[respostas]
Agostinho Guedes, diretor da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Diria que o novo Código de Processo Civil. Finalmente fez-se algo mais do que simples ajustamentos num diploma que já estava desfasado da realidade há muito tempo e que reflectia a desconfiança latente entre advogados e magistrados, uma alteração de filosofia que, espero bem, traga frutos a curto/médio prazo.
[2] A Ministra da Justiça, pela vontade genuína de melhorar a Justiça portuguesa, pela coragem de fazer o que é necessário, por trabalhar de forma discreta mas eficiente.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] Não há "mudanças principais". Houve alterações pontuais a vários códigos. O Mapa Judiciário continua sem ser concretizado. Desconhecem-se as várias medidas estruturais por semana que a ministra da Justiça anunciou. Alteraram-se artigos do Código do Processo Penal, Código Penal, Código do Processo Civil e outros diplomas. Não é preciso ser um cérebro para constatar que o sistema de justiça está, praticamente, na mesma.
[2] Nelson Mandela.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Apesar de um início de mandato prometedor não há nenhum registo de monta nestes dois anos de governo. A reforma judiciária que continua a aguardar a luz do dia, as alterações à legislação processual não eram as que se impunham e são panfletárias - como é o caso do julgamento sumário para homicídios -, quando continuam a existir mil e uma maneiras de eternizar os processos.
[2] O Papa Francisco, pela lufada de ar fresco, discurso simples e defesa da solidariedade e dignidade.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Depois de dois anos de governo, não obstante a alteração do Código do Processo Civil e outras medidas, nem os cidadãos, nem sobretudo os investidores nacionais e estrangeiros se deram conta de alterações de fundo na justiça. O que é dramático.
[2] Sem dúvida o Papa Francisco que mostrou aos poderosos deste mundo o valor do exemplo. Gostaria também de referir a vida de Nelson Mandela.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] A tão aguardada lei das rendas foi a alteração legislativa mais relevante. Apesar das dificuldades burocráticas e dos reajustes necessários à lei, o mercado do arrendamento clamava por uma actualização e este governo teve a coragem de terminar esta reforma.
[2] Destacaria a decisão do Tribunal Constitucional que chumbou o corte de subsídios - previstos na lei - a funcionários públicos, pensionistas e reformados. Ao contrário do ano passado, considerou os cortes ilegais.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] Ainda que possa parecer de importância meramente formal, importa realçar o cumprimento integral e pontual dos objectivos exigidos pelo memorandum da Troika no domínio da justiça.
[2] O Tribunal Constitucional, porque teve (e espera-se que continue a ter) a coragem de "dizer a norma", isto é, de lembrar que é a constituição que está no vértice da pirâmide normativa de um Estado de Direito Democrático e que a suposta "reserva do possível" não a pode despudoramente afrontar.
Maria Manuela Silva, diretora do departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] As mudanças ainda não se verificaram. Desenvolveram-se um conjunto de medidas reformadoras, que poderão ter resultados práticos interessantes, mas ainda não visíveis, como a reforma do Código de Processo Civil, que ainda não entrou em vigor. É também urgente uma mudança de mentalidade por parte dos operadores judiciários, que devem aplicar a justiça de uma forma eficiente sem perder de vista a vontade do legislador e a perceção económica da aplicação do direito.
[2] Nestes últimos anos conturbados devemos destacar a resistência e esperança do povo português que tem suportado estoicamente todas as medidas penalizadoras, o empobrecimento, a falta de segurança e estabilidade e, praticamente, sem vislumbrar uma luz ao fundo do túnel ainda consegue ter "esperança em dias melhores".