A tragédia dos dias que vivemos não resulta apenas das dívidas ou da economia. Ela nasce muitas vezes da falta de coragem dos principais decisores do país. Neste caso, dos deputados e dos partidos, incapazes de frontalmente chegarem a um acordo sobre o que pretendia dizer a Lei que limita os mandatos dos presidentes de Câmara. São três mandatos? Consecutivos? E isso impede-os de ir a votos em qualquer outra autarquia? Uma questão simples e clara.
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Esta questão é essencial para se compreender um ponto tantas vezes escondido no mau funcionamento da justiça: com más leis não pode haver decisões inequívocas dos tribunais. Os cidadãos não compreendem que um tribunal em Tavira tenha uma decisão diferente da que sucede em Lisboa e Porto para casos exatamente iguais. Mas, então, afinal, porque não se corrige isto a tempo?
[perguntas]
[1] A Lei 46/2005, que regula a limitação de mandatos autárquicos, é interpretada de forma diferente por diversos tribunais. Qual a sua opinião sobre a questão de fundo e como dirimi-la em tempo útil?
[2] Portugal continua a ser sistematicamente condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por atrasos judiciais. O que fazer?
[respostas]
Agostinho Guedes, diretor da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Parece-me que que a interpretação que melhor segue as regras previstas no art. 9.º do Cód. Civil é a aquela que impede a candidatura em qualquer autarquia. A Assembleia da República deveria aprovar uma lei interpretativa, mas parece-me os deputados têm medo de o fazer.
[2] Não vejo remédio a curto prazo, porque as razões para os atrasos são muitas e resultam também da cultura e mentalidade dominantes nas instituições públicas, e não se muda a cabeça das pessoas por decreto.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] A lei, a meu ver, não permite que o autarca da margem esquerda, após o limite estabelecido, se candidate à autarquia da margem direita. Mas isso sou eu. "Eles" querem ser autarcas toda a vida, impedindo a renovação da democracia. Uma suposta equivocidade da lei foi procurada dolosamente pelo legislador para, aqui ou ali, manterem os "seus".
[2] Interessante é que o TEDH, ele próprio, não poucas vezes, se atrase mais que os países que condena.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Não se pode acusar os juízes e os tribunais por interpretações divergentes de leis que o legislador não soube ou não quis fazer de forma clara e transparente.
[2] Fazer leis claras; simplificar as leis processuais; limitar a multiplicidade de recursos e outros expedientes processuais; averiguar todos os casos de atrasos anormais e aprender com os erros; avaliar o mérito dos agentes da justiça.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação de Jovens Advogados
[1] Creio que o espírito da lei é louvável. Porém, a lei é frouxo exemplo de legística, pois permite dúvidas, que são mais políticas que jurídicas. A limitação de (e não do) poder político, não é matéria que deva ser dirimida em tribunal, mas sim na Assembleia da República. Esta pode e deve aclarar, retificar ou até revogar a lei. A responsabilidade é dos partidos, não dos tribunais.
[2] A resposta é simples, mas tautológica: terminar as delongas dos tribunais! Talvez fazendo menos reformas na lei adjetiva - como a que se avizinha ao processo civil, que receio venha provocar mais morosidade. E atrevo-me a sugerir que os prazos previstos na lei sejam cumpridos por advogados, mas principalmente por juízes e magistrados do Ministério Público. A boa justiça é (também)a atempada.
Manuel Sousa, pres. da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] O princípio da separação de poderes deve ser observado. Esta é uma questão política e não legal. Assim, cabe à Assembleia da República resolvê-la.
[2] Faltam recursos nos tribunais portugueses. Faltam funcionários. Faltam condições. Chegam a faltar o papel e os tonners. Mas, acima de tudo, falta vontade politica para que a justiça funcione ou que seja proferida e executada
em tempo útil. Urge por isso um novo paradigma organizacional e funcional e dotá-la dos meios necessários e adequados.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A limitação deve ocorrer independentemente da área geográfica. Não tendo havido vontade legislativa de interpretação autêntica parece impossível clarificação jurisdicional em tempo politicamente útil.
[2] A previsão de justiça célere tem assento na CRP desde 1997. Mas carece de apoio em firmes regras processuais penais - aprovadas - e civis - em aprovação - com cominação de sanções para ineficiência dos operadores judiciários
e utilização de expedientes claramente dilatórios.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Entendo que a questão deveria ser objeto de interpretação pelo próprio legislador, neste momento cabe aos tribunais a decisão e o tempo pode não ser a favor.
[2] Não existem soluções milagrosas. Creio que a implementação do mapa judiciário, e da Reforma do Código de Processo civil poderão úteis nesse sentido. É necessário agilizar a justiça, é preciso tomar medidas rápidas, melhorar a eficiência dos funcionários e desjudicializar certos procedimentos.