Se há setor da vida portuguesa que corre mal há muitos anos, é o da Justiça. A sociedade está infinitamente mais complexa e litigante. Em consequência, as leis e o sistema jurídico têm uma enorme dificuldade em corresponder às rapidíssimas mudanças sociais.
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Para além das questões criminais crescentes, continua por encontrar um método que resolva as questões jurídico-económicas. Pode um país existir com tantas dívidas sem resgate judicial? E falir fraudulentamente empresas? Ou fugir com capitais para offshores clandestinos - bastando o perdão fiscal? Pode pensar-se em investimento estrangeiro com tribunais a circular em ponto morto? Se há área em que este Governo ainda não mostrou uma mudança eficaz é nos processos económicos (e laborais). A ministra tem de tentar algo mais do que fechar tribunais no interior.
[perguntas]
[1] Há um apagamento das questões da Justiça da agenda do Governo. Que assunto colocaria como importante resolver?
[2] É legítimo aos serviços secretos norte-americanos investigar dados da Internet de cidadãos de todo o mundo?
[respostas]
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] O mapa judiciário. O Governo não tem programa para a Justiça, só para a austeridade nos cortes de salários e pensões. O Governo na Justiça não existe. Onde estão as duas medidas estruturais por semana que a ministra da Justiça anunciou?
[2] Os EUA atuam, como polícias do Mundo e não podem abalroar os direitos dos cidadãos, por mais que invoquem questões de segurança.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Há um total apagão da Reforma da Justiça, essencial para atrair investimento interno e externo reprodutivo e assim relançar o crescimento e o combate ao desemprego. Não consigo perceber. A não ser que esta reforma esteja à espera da mobilidade e do desemprego na função pública em geral. Para o investimento externo é uma catástrofe!
[2] A democracia e a liberdade têm de se defender de ataques que a possam destruir. Se foi o que aconteceu, não estou contra.
Joana Pascoal, advogada e presidente da Associação Jovens Advogados
[1] Os atrasos nas ações executivas. Com a economia em decadência, é fundamental as cobranças judiciais serem eficazes. E que os mecanismos sociais de apoio funcionem.
[2] Obviamente que não. Um Estado de Direito Democrático não pode investigar sem mandado judicial, ou sequer jurisdição. As polícias, secretas ou não, deveriam investigar os hackers que violam a vida privada, não seguir-lhe o exemplo. Quem o fizer deve ser sancionado, seja um curioso, um agente da lei ou um país.
Agostinho Guedes, diretor da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] É essencial mudar a mentalidade dos magistrados e advogados no sentido de desvalorizar o mero cumprimento do "rito processual" e recuperar o objetivo de qualquer processo: solucionar um conflito de acordo com o critério de justiça definido pelo legislador, de forma rápida, económica e eficiente. Além disso, o funcionamento dos tribunais e do Ministério Público deveria ser sujeito a uma auditoria de gestão. Em muitos aspetos continuamos a ter uma Justiça do séc. XIX e não basta mudar as leis.
[2] A privacidade pode (e deve) ser parcialmente sacrificada quando se pretende proteger bens maiores (cfr. o art. 18.º, nºs 2 e 3, da Constituição). Nenhum Estado deixará de sacrificar a privacidade de quem quer seja para proteger os seus cidadãos, desde que tenha os meios para isso.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] Mais do que trazer novos temas, devem finalizar-se os assuntos pendentes: alterações legislativas e reorganização judiciária.
[2] Ainda que os EUA e a Europa tenham formas absolutamente distintas de encarar a proteção de dados pessoais, há standards mínimos que deveriam ser garantidos. Mas vale aqui a reserva do tecnologicamente possível, já que a desproteção resulta também da atuação dos próprios lesados, que contribuem também para a potenciação do dano e lesão.
Manuel Sousa, pres. da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Como responsável por um Departamento e como oficial de justiça, elenco a falta, unanimemente reconhecida, de funcionários judiciais. Em muitas secretarias o número de magistrados é já superior ao número de oficiais de justiça! Assim não há como aumentar a produtividade!
[2] A nova realidade do terrorismo e do crime internacional obriga a novas formas de atuação e cooperação entre estados e serviços. Mas tal não pode significar uma derrogação do estado de direito.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] As questões da justiça continuam a ser da maior importância, entendo que estão a ser feitas reformas tais como a do código de processo civil, penal, a reforma do mapa judiciário, entre outras, que serão relevantes, urge é a sua implementação.
[2] Não me parece legítimo, a confidencialidade de dados pessoais deverá ser respeitada, os direitos fundamentais não devem ser violados. Só casos excecionais poderão justificar o acesso a dados pessoais.