O Tribunal Constitucional é tão discutível como indiscutível. Tão sapiente como incongruente. Tão independente como politicamente retorcido. Objetivamente/subjetivamente interpretativo. É aquele órgão a que foi pedido para interpretar a história à luz das necessidades atuais, a partir de um clausulado escrito com décadas. Quem achar que o direito não é isto, engana-se.
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Os especialistas da justiça dividem-se, esmagados pela jurisprudência coerente ou pelas contradições insanáveis. E veja-se a decisão de quinta-feira: ao declarar inconstitucionais alguns tipos de despedimentos (aprovados na Concertação Social), é lançado mais uma brutal bomba sobre as empresas. O Palácio Ratton, qualquer dia, é a sede da história do João Rattão: tanto cheira o toucinho dentro da panela que cai nela. E ela está a ferver.
[perguntas]
[1] O Tribunal Constitucional continua a fazer a leitura correta da Constituição face às medidas do Governo e à concreta situação do país?
[2] 40% dos magistrados consideram ter hoje piores condições para desempenhar a sua missão. Concorda?
[respostas]
Agostinho Guedes, diretor da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Não consigo perceber a fundamentação de algumas decisões, nem consigo detetar uma linha jurisprudencial consistente. Diria que as decisões são cada vez mais imprevisíveis e muito influenciadas por leituras políticas e sociológicas.
[2] Não conheço com detalhe as condições de trabalho dos magistrados. Acredito que para alguns as condições tenham piorado, para outros tenham melhorado (conheço alguns casos concretos em que tal aconteceu) e para outros nada tenha mudado.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral-adjunto jubilado
[1] O TC interpreta a CRP, ante cada norma que lhe é submetida a apreciação. Não tem que se ajustar aos entendimentos do Governo ou de qualquer outra entidade. Não é um assessor do Governo. Nem tem que se submeter às suas ordens e iliteracia constitucional.
[2] Os magistrados passam a vida a choramingar a falta de meios e a albanização dos vencimentos. É crónico. Essa asserção não é verídica. Os meios são melhores. Insuficientes, sim. Nunca são o ideal.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] O TC é um dos pilares da nossa democracia e tem de ser respeitado no que decide. Tentar excluir o TC da democracia é uma espécie de atentado ao pudor, senão mesmo à dignidade social.
[2] São manifestamente piores as condições atuais para os magistrados exercerem as suas funções.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] Sim. As supostas justificações para medidas excecionais não podem camuflar revisões ou forçar interpretações (des)conformes à Constituição. O TC tem assegurado o Estado de direito e impossibilitado que os poderes públicos eliminem o núcleo essencial dos direitos com violação de princípios gerais (proporcionalidade - necessidade, adequação e proibição do excesso - e proteção da confiança). A ponderação entre legalidade e necessidade não torna político o controlo jurídico, ainda que com o risco - (re)conhecido nos tempos recentes - de má compreensão do "animus" dos juízes constitucionais.
[2] Terão menos condições remuneratórias e eventual acréscimo de trabalho, o que é no entanto neste momento comum a qualquer outro trabalhador português.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] O TC não faz, nem tem que fazer leituras políticas. Não pode alterar a sua interpretação da Constituição consoante a crise económica ou a ideologia do Governo. E nenhum Governo pode ambicionar instrumentalizar o TC.
[2] Não, se por condições se entender o salário. A independência do magistrado não pode ser refém do que aufere no final do mês. Porém, concordo que há menor respeito pelas instituições judiciais, sinal dos tempos e da formação (social) deficitária da magistratura.
Manuel Sousa, pres. da Delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] O texto constitucional baliza limites que não podem nem devem ser subvertidos, sob pena de estarmos perante uma revolução encapotada. O Tribunal tem atuado bem na sua interpretação, atendendo na justa medida ao enquadramento temporal em que aprecia, muitas vezes no limite, como considero ter acontecido na contribuição extraordinária de solidariedade.
[2] Concordo. Para além de outras razões, a falta de investimento na justiça tem levado ao degradar das condições de trabalho.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] O Tribunal Constitucional tem decidido de uma forma equilibrada. Num Estado de direito, este está sujeito à Constituição e à lei e, como tal, o TC tem de julgar nesse sentido, mesmo que possa trazer inconvenientes para a estratégia prevista pelo Governo.
[2] Não concordo nem discordo, pois não estou a viver esse papel. No entanto, creio que podem emitir essa opinião, face às medidas de austeridade a que foram sujeitos e ainda face às reformas legislativas.