O Morro da Mangueira, na zona norte do Rio de Janeiro, está prestes a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) nos mesmos moldes das outras 17 já instaladas em outras favelas, antes dominadas pelo tráfico de droga.
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"Acostumados" com o convívio com os traficantes, que nesta comunidade não disputam o poder entre eles, os moradores da Mangueira estão mais preocupados com a abordagem dos militares e temem ser confundidos com criminosos.
"A comunidade está um pouco tensa com a notícia, porque o poder público vai entrar, e quando ele entra vem com força total, usam carros, helicópteros... Até saber quem é, quem não é (traficante), todo mundo é suspeito", declarou o empregado de limpeza pública Alan, 36 anos.
Nascido e criado na Mangueira, outro funcionário da limpeza comunitária do bairro teme que os seus trabalhos extra como electricista sejam considerados ilegais pela polícia.
As preocupações variam conforme a vida de cada um, mas de uma maneira geral vêm de um passado recente, em que o morador não via no polícia um agente ao seu serviço mas um inimigo repressor.
"A polícia também pode pensar que a gente é conivente com eles (os traficantes), mas não é isso. Eles nasceram e foram criados aqui, a gente conhece, às vezes fala com eles, mas não se envolve", ponderou o morador, acrescentando que, na verdade, o que se sente é medo de os enfrentar.
Para Jorge, vigia da quadra de samba da Mangueira, o novo policiamento não fará diferença no seu dia-a-dia. Ele diz que os traficantes não se intrometem em sua vida e que a única coisa que realmente incomoda são os consumidores de crack que, depois de comprar a droga, continuam pelas redondezas.
"Os 'craqueiros' que ficam por aí, e às vezes dormem ali no viaduto é que causam transtorno. Outro dia me deu muita pena, porque vi uma mãe subindo o morro com uma foto, perguntando se tinham visto o filho. Essas pessoas são as quem vêm comprar droga e se perdem na vida, não são moradores", explicou Jorge, 56 anos, há 30 na Mangueira.
"A Mangueira é um nome forte, conhecido lá fora, acho que eles (polícias) devem estar preocupados, buscando uma maneira bem 'light' de entrar aqui porque, do contrário, isso vai 'vazar' (repercutir) para todo o mundo", acrescenta Alan para se tranquilizar a ele próprio.
O bairro é conhecido fora do Brasil por dar o nome à Escola de Samba mais famosa do país -- Estação Primeira de Mangueira -- e alguns dos moradores acreditam ser esse o principal motivo da ocupação.
"Eles (polícias) vêm mais para dar uma resposta para a sociedade, por conta destes eventos que vão acontecer na cidade", observou Alan, referindo-se ao Mundial de Futebol de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016.
A nova UPP fechará o chamado "cinturão" do Maciço da Tijuca, que compreende outras sete comunidades, todas próximas do Maracanã, principal estádio do Mundial e dos Jogos Olímpicos.
Com a ocupação da Mangueira, o governo garante a segurança do trajecto entre a zona sul, onde estão localizados os principais hotéis da cidade, até o estádio, a passar pelo centro da cidade.
"A segurança vai ser para os moradores lá de baixo. Aqui já é seguro, ninguém incomoda a gente, o importante é o social, é isso que está faltando", concluiu o aposentado Carlos Alberto, 60 anos.
* Agência Lusa