Capela Santa do Castelo de Vincennes, em Paris, acolhe esta monumental obra da artista portuguesa.
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Joana Vasconcelos nasce em Paris, em 1971, cidade onde os pais estavam emigrados, como tantos portugueses no contexto do Portugal triste do Estado Novo. Com três anos e a Revolução dos Cravos portadora de todas as utopias, vem para Portugal com a família e é, por tudo isto, como artista portuguesa que se define. Os seus feitos e a sua carreira, de amplo reconhecimento internacional, falam por si: na primeira Bienal de Veneza com curadoria feminina, em 2005, apresenta a obra "A Noiva". Em 2012 torna-se na primeira mulher e a mais jovem artista a expor no Palácio de Versalhes, tendo sido esta a exposição com mais visitantes que o local recebeu em meio século. Em 2013 é na pérola do Adriático que volta a destacar-se com o "Trafaria Praia", representando Portugal com o primeiro pavilhão flutuante da história desta bienal. Em 2018, tornou-se na primeira artista portuguesa a ter uma exposição individual no Guggenheim de Bilbau e, em 2023, ninguém ficou indiferente à sua colaboração com a marca Dior e à "Valquíria" que era o cenário do desfile outono/inverno 2023/24; ou às imagens da monumental obra "Bolo de Noiva" para a Waddesdon Manor de Lord Jacob Rothschild, em Inglaterra.
O mundo gosta dela, admira-a, não apenas pela escala das suas obras, mas, sobretudo, pela forma como combina conceitos do neoconceptualismo e da pop art, com a necessária leitura da emergência de tecnologias ancestrais, outrora avessas às ditas belas-artes, como são o têxtil, a cerâmica ou o vidro. Em bom tom da verdade, a ação do atelier de Joana Vasconcelos é responsável pela reativação de fábricas como a Viúva Lamego ou por uma releitura das possibilidades do crochet, desvinculadas da sua identidade cristalizada no napron e na prisão doméstica feminina da ditadura. Quando visito o seu atelier, em Lisboa, é inegável vê-la, também, como uma empresária de elevado sentido social, gerindo uma equipa que integra diversidade de género, proveniências e gerações, que gera emprego e o faz privilegiando o bem-estar dos trabalhadores. Sendo fácil, no contexto do sistema da arte português, criticar uma artista que se fez a si própria, certo é que, globalmente, o que faz é reconhecido e eleva o nome de Portugal.
França é um dos lugares onde é apreciada e, por estes dias, no âmbito da Temporada Portugal-França, deixei-me encantar pela sua "Árvore da Vida", obra inspirada na forma de um loureiro, com cerca de 13 metros de altura e que integra mais de 140 mil folhas trabalhadas manualmente em tons de encarnado e negro, produzidas na diversidade de possibilidades do têxtil durante os períodos de confinamento que os tempos recentes nos impuseram. O espanto dá-se na visita ao Castelo de Vincennes, um testemunho da própria História da França, associado, em parte, ao início da Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra e ao reinado, mais tarde, de Carlos V, que inicia as obras da Santa Capela, marco da passagem do gótico radiante para o gótico flamejante. Joana Vasconcelos sabe fazer esta leitura da imanência da arquitetura e do lugar, produzindo uma obra de leitura ascensional, com a luminosidade típica dos vitrais das igrejas góticas e, simultaneamente, plena da vanguarda e dos seus binómios.
Numa só obra, a artista evoca a Árvore da Vida de Jerusalém celestial, que dá fruto todos os meses; presta homenagem a Rainha Catarina de Médicis, com forte intervenção no término da construção desta Santa Capela; e, ainda, refere-se a Dafne, figura da mitologia que se transforma em árvore para fugir de Apolo. Numa dimensão quase ecuménica, ainda que altamente espiritual, a "Árvore da Vida" é um símbolo do poder feminino, simbolizado pela fertilidade, não apenas de vida, mas das ideias, ou não fosse Joana Vasconcelos também a voz de uma geração de mulheres primeiras e pioneiras que abrem a porta para as demais.
Até 3 de setembro de 2023, uma visita a Paris, merece a volta até Vincennes para nos deixarmos pasmar e, sobretudo, orgulhar nesta portuguesa chamada Joana Vasconcelos.