Terceiro álbum de originais do músico português emigrado na Suíça traz elegante bálsamo a um tempo de feridas.
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"Harmonia de sons agradavelmente combinados". Assim definem os dicionários a palavra oriunda do grego antigo "eufonia". E é essa a proposta de Mourah para um Mundo dominado pela "dissonância": algo "simples, harmonioso, pacífico". "Euphony" é o regresso aos discos do português que desde 1987 vive em Genebra.
Soou nas rádios pela primeira vez em 2005, com "From one human being to another", álbum que cruzava acústica e eletrónica, espalhando vénias ao trip hop, ao jazz e ao funk. Volta aos originais apenas em 2015, com "Kardia", editando alguns EP de remisturas de permeio. E agora mais sete anos até "Euphony". Preguiça, muita exigência ou a vida a intrometer-se? Há a resposta poética e a prosaica. "Não é fácil viver da música, nem na Suíça. Qualquer um se diz artista hoje em dia, a oferta é enorme e os canais são limitados". É um pouco de prosa: "O talento não é o principal, mas sim os contactos, a idade, o visual. Estás sujeito às leis do mercado. E gravar um disco e masterizá-lo custa dinheiro". Para atender à fatalidade, Mourah recorre a outros empregos e o tempo falta-lhe.
Mas nem tudo é manietado por necessidades comezinhas. A esparsa produção do músico também se explica por razões luminosas: o seu trabalho com a companhia de teatro helvética Andrayas, onde assina as peças musicais, levou-o ao Brasil, Argentina, Benim, Congo, Síria ou Índia, sempre integrado em ONG vocacionadas para a sensibilização ambiental e o trabalho com crianças. "Dessas viagens trago sensações, atmosferas e sonoridades que depois aproveito para a minha música". A poesia leva o seu tempo a germinar.
As dez faixas de "Euphony", masterizadas por Mandy Parnell (Massive Attack, Björk, Radiohead), falam de "saudades" e da "aceitação da ausência", incitando-nos a "seguir em frente", sendo um álbum "mais melancólico do que depressivo". A voz é dramática ou etérea e o som captura um velho conceito do design: "less is more" - "trabalho na subtração, não na adição: deixo sempre espaço ao silêncio". Na sua elegância e subtileza, "Euphony" evoca conseguimentos de Air e Blonde Redhead, e na única letra cantada em francês, "Euphonie", chega a espreitar o magistral "Histoire de Melody Nelson", de Serge Gainsbourg.
Mourah quer relançar a carreira em Portugal, planeando uma série de concertos para este ano. E conta, entusiasmado, uma das suas últimas experiências no país, no Parque Nacional do Gerês: "Fui acordado por um lobo, às quatro da madrugada. Observou-me a dez metros de distância e depois foi-se embora tranquilamente. Foi algo místico, duas espécies diferentes que se cruzaram e respeitaram". Talvez o episódio venha a gerar novas "eufonias".
ondas e bonomia
A um dos singles de avanço do novo álbum de Mourah, "Hashtag NotAlways", corresponde um vídeo nomeado para os IPMA (International Portuguese Music Awards), que serão anunciados a 23 de abril nos EUA. Filmado quase na totalidade na praia do Norte, na Nazaré, transmite paz e harmonia num lugar conhecido pelas ondas avassaladoras.