Sétimo volume dos Cadernos do Rivoli reúne vinte autores. Foram desafiados por Tiago Bartolomeu Costa a escrever sobre "o tempo em que estivemos separados".
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Quando nada estava a acontecer no Rivoli, escreviam-se os Cadernos do Rivoli, "publicação mítica na história das publicações especializadas", que o Teatro Municipal do Porto (TMP) edita desde os tempos da diretora Isabel Alves Costa (1946-2009). Ao contrário de edições anteriores, o Caderno n.º 7, que a pandemia fez passar desapercebido pelo confinamento, debruçou-se sobre uma temporada (2019-2020) em que a programação foi parcialmente suspensa e o público dispensado, em teoria complexificando o trabalho de Tiago Bartolomeu Costa, o editor do presente volume da coleção, para o qual desafiou vinte autores.
"Como podemos contar a história de alguma coisa que não existiu? Como é escrever sobre este tempo sem o tornar abstrato, sem fixar o que é estrito, tornando-o incompleto quando for lido?", perguntou-se o investigador e curador de artes performativas. Parecendo ímproba, a resposta foi, afinal, "simples", assegura ao JN. "Escolher os espetáculos sobre os quais me interessava falar e depois criar relações temáticas, rimas internas". Editar é isso, diz, "usar a imaginação e criar sentidos sobre linhas invisíveis".
Os Cadernos do Rivoli, lançados em 2002, interrompidos em 2006 com Filipe La Feria, e retomados em 2017 com Tiago Guedes, nunca foram um corpo morto, desatualizado, e a regra não foi quebrada no ano do 89.º aniversário do Rivoli, apesar do isolamento a que todos fomos expostos.
Pelo contrário, esta edição parte do silêncio, do vazio, do que ficou interrompido, para criar pistas de leitura, pontes para a existência do teatro fora do palco, uma peça de reflexão e de resistência. "Um teatro que resiste apesar de todas as críticas e tragédias é um teatro que se diverte, porque tem dele uma ideia pior do que a ideia que dele se faz. Essa é a sua força. O nível é tão refinado e culto e acossado, que pode sobreviver a qualquer coisa", observa Tiago Bartolomeu Costa, consciente de que neste Caderno todos os textos dialogam entre si e uma certa intemporalidade. Não são apenas textos sobre teatro, são textos sobre o Mundo. E sobre nós. "São hipóteses de reescrita da história".
"Sabotar as certezas"
Em contagem decrescente para a reabertura dos teatros - uma espécie de segundo take para um reencontro -, e, portanto, para o primeiro contacto físico com a sétima edição dos Cadernos do Rivoli, distribuída gratuitamente, impõe-se olhar para o primeiro volume propositadamente não temático. Desta vez, é "uma publicação híbrida, na qual convivem o conto, o ensaio, a análise de espetáculos e fílmica, o texto dramático, a poesia, a performance, a imagem e a cenografia". É uma coleção de momentos individuais (porque parte de um olhar intransmissível) antes de ser, como lhes chama Bartolomeu Costa, uma receita ineficaz de "lições dogmáticas que nos preparam para o futuro". Acontece, por exemplo, no casamento improvável entre o ensaio inicial de Pedro Santos Guerreiro - "Se a pandemia tiver um final feliz, a esperança estará no que é humano, no que é sensível e criativo, e numa política também ela humanizada, inclusiva, solidária. Mas exigente e autoexigente." - e o texto final que José Maria Vieira Mendes escreveu para o Teatro Praga, para a peça "Worst Of": "Há esperança no futuro. E a esperança vem sempre do passado". Ou então não, em todo o caso clama-se: "Nunca desistir. Ouviram? Nunca desistir!". São textos que "sabotam certezas".
Ou, como escreveu Tiago Guedes, diretor artístico, do TMP, "um contributo para uma leitura possível dos dias de hoje e do papel das artes performativas como oráculo destes tempos".