Cerca de 30 anos depois do encerramento da última fábrica portuguesa de vinil, propriedade da Valentim de Carvalho, as prensas retomaram a atividade e a rodela musical voltou a ser produzida no país. Desde final de 2021, a Grama, unidade fabril situada em Nogueira da Maia, respondeu a mais de 100 encomendas, nacionais e estrangeiras, produzindo uma média de 20 edições por mês. Está a diminuir os tempos de espera em Portugal e a inverter o saldo da balança comercial neste setor. Três décadas depois, o país voltou a exportar vinil.
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Os três responsáveis pelo projeto não caíram de paraquedas neste negócio. Rui Quintela é proprietário da Louie Louie, loja de discos no Porto, há 22 anos; Paulo Vinhas é responsável pela Matéria Prima, outro espaço comercial de música na Invicta; e Jorge Álvares, que foi também fundador da Matéria Prima, é economista com larga experiência profissional em vários países (em dois minutos de conversa, entende-se que é ele o dínamo do negócio). Mas a perceção quanto à sua pertinência veio dos sócios ligados à música: "O vinil foi tendo os seus regressos, mais ou menos consistentes, desde o aparecimento do CD, que lhe roubou o protagonismo a partir do final dos anos 1980. Mas nos últimos seis anos passou a haver uma ascensão total do vinil e não existia essa noção no mercado. Em 2020, disparou a sério. E a oferta já não responde à procura", explica Rui Quintela.
300 a 400 discos por dia
Quando decidiram avançar, em 2019, os três sócios varreram a Europa em visitas a fábricas, tanto de produção de vinil como das próprias máquinas de prensagem (destas últimas, existem apenas três no Mundo, na Alemanha, Suécia e Canadá). Teve particular importância a visita ao Making Vinyl Berlin, um grande evento na capital alemã destinado aos agentes da indústria mundial do vinil. Com um investimento de quase 200 mil euros, adquiriram o conjunto principal para a produção: a máquina extrusora, que transforma a matéria-prima - um PVC específico: bolinhas pretas ou da cor em que se queira fabricar o vinil - numa "bolacha", que passa depois à prensa - onde se encontram os negativos do disco, moldes conhecidos como "stamper" -, que dá ao material a sua forma circular e lhe imprime a música. Segue então para o "trimmer", uma máquina de corte que aperfeiçoa a rodela. Depois é deixar arrefecer e empacotar.
Com serviço "chave na mão", que inclui a produção da capa e outros materiais contidos no disco (para isto recorrem a gráficas), a Grama trabalha com três tipos de clientes, explica Jorge Álvares: "Multinacionais, editoras independentes, como a Rastilho ou a Lovers & Lollypops, e as edições de autor. Interessa-nos mais trabalhar com as independentes. Não queremos ser tomados por uma major". Com capacidade para fabricar 300 a 400 discos por dia, o objetivo imediato é criar um novo turno para dobrar essa marca. As encomendas têm variado entre as 100 unidades e as 2000. Ali se produziram já discos de Capitão Fausto, Linda Martini, Dino D'Santiago ou Sereias. Com prazos de entrega entre os dois e os três meses, enquanto a média europeia é de cinco a seis meses. A agilidade da Grama atraiu o mercado internacional, que representa já cerca de 30% da faturação.
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Um boom internacional de fábricas
Em 2020, registavam-se 114 fábricas de vinil no Mundo; três anos antes, apenas cerca de 50, o que reflete o regresso em força do vinil. A maior de todas continua a ser a GZ, na República Checa, unidade que opera desde os tempos da URSS e que chegou a ser responsável por metade da produção mundial. Pesa ainda no tabuleiro: quando tem em mãos produções ciclópicas, como os discos de Taylor Swift ou Lady Gaga, atrasa o processo de outras edições em toda a Europa. Os EUA lideram em número (37 fábricas) e o único continente sem produção de vinil, em 2020, era África.